sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

DAS CANÇÕES, DA MINHA VIDA

Muito cedo tive contato com a música. Não obstante as cantigas com as quais minha mãe me embalava, ou os acordes tirados do violão por meu pai, que interpretava valsas e dobrados, ouvia também as canções do rádio - companheiro inseparável das pessoas naquele tempo. E era o radio quem dava o ar de sua graça logo de manhã, trazendo a programação de emissoras distantes, mas que chegavam bem, em ondas médias, ondas curtas ou tropicais.
Na Fazenda Nova America em luminosas e belas manhãs de sol era comum as mulheres da vizinhança se juntarem no pequeno riacho que ficava perto da casa, para lavarem as trouxas de roupas que traziam na cabeça. Aproveitavam o local propício, devido a pouca profundidade do riacho, que tinha areia e pedrinhas brancas no fundo, além de um imenso lajedo que ficava na margem, onde colocavam as roupas mais claras para quarar. E quando os assuntos começavam a se esgotar entoavam cantigas, alegres, canções de roda, que traziam das lembranças da infância de outrora. Pareciam cantar  para esquecer um pouco da vida sofrida que levavam.
Ali perto moravam também muitos nordestinos. Trabalhadores braçais, meeiros, agregados, ocupavam pequenos ranchos onde viviam com a família, normalmente numerosa, com muitas crianças. Nas visitas em que acompanhava meu pai e minha mãe, sempre encontrávamos aquelas pessoas em momentos alegres.
Admirava o bom humor dos repentistas, mas me encantava mesmo era com o aboio dos vaqueiros, o lamurioso canto entoado por aqueles homens rudes. Contavam cantando historias de sua árdua labuta diária, mas encontravam espaço para também falar de sua juventude, amores passados, patrões bons ou maus. A difícil vida do vaqueiro nordestino em terras distantes do saudoso torrão natal.
Mais tarde, adolescente e já morando na cidade, aprendi a tirar parcos acordes do violão e vivi a época de ouro da MPB. Viajava nas letras de Zé Ramalho, Chico Buarque e sentia o coração bater mais forte com as poesias musicadas de Vinicius de Morais. Começara a sair à noite nos bailinhos de sábado e admirava as luzes do pequeno palco onde se apresentavam as bandas – ou conjuntos musicais - que animavam a noite. Mas o bom mesmo era ver a surrada guitarra, de onde saiam acordes e escalas.
Nesse mesmo tempo comecei com a influência e ajuda de um amigo de colégio a viajar nas imensas avenidas da musica erudita e meu Tio e padrinho Antonio Rolim me apresentou a boa musica de seresta. Orquestra Tabajara, Carlos Galhardo, Orlando Silva, Altemar eram seus preferidos.
A música sempre fez parte de meu mundo e de minha vida. Em viagens ao interior do meu estado ou mesmo do país, em busca da sobrevivência, somente consigo amainar a saudade de casa e da família com a companhia de algumas canções, que aliviam e enternecem o coração.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

SAUDADE


 Tanto se cantou e escreveu sobre a saudade que parece tema batido, esgotado; um tema sobre o qual já não caberia mais o que falar ou escrever. Inspiração de românticos, poetas, boêmios, a saudade é um atestado de sensibilidade de pessoas que gostam e amam.
Saudade. Como soa bonita a pronúncia desta palavra. Parece confortar com seu som perfeito o coração de quem a tem. Toca mais ainda o coração quando se encontra alguém e ouve-se desta pessoa: que saudade de você!
Saudade. Nostalgia.
Nesse início de ano, verão, nada de calor, mas chuvas fortes, constantes, trazendo preocupação às autoridades. Porém chuva benfazeja. Lava a fuligem dos telhados, dos flamboyants do centro de Goiânia e deixa uma sensação de ar puro e de fertilidade.
Essa chuva me fez viajar rumo à saudade da minha infância. À Fazenda Nova América, onde dei meus primeiros passos, que também se enchia de verde.
 O local que meu pai já havia separado para a roça do ano se enchia de novos brotos. Um um imenso tapete verde, avistado de longe. Com as primeiras chuvas diminuía muito e acabava a poeira das irregulares estradas da fazenda. Era alívio para todos.
Logo, meu pai preparava as sementes – não precisava adubo pois a terra era fértil para aquele modelo de agricultura de subsistência, – para lançá-las ao solo. Depois de alguns meses era colheita farta, abundante. Garantia assim para todo o ano o sustento da família.
As muitas lembranças da minha infância e juventude estão cravadas no portfólio da minha saudade.
Depois da infância venturosa da fazenda, vivi a minha juventude na querida Goiânia. Cheguei por aqui em uma manhã ensolarada de Março e começaria ali pra valer a luta pela sobrevivência, pela dignidade para um tornar-me homem.
Goiânia me acolheu como a todos que aportaam por aqui, dando oportunidades e condições de vida. Trabalhava durante o dia e estudava à noite.
Naquele tempo Goiânia era uma cidade tranqüila. Andava-se nas ruas pelas madrugadas, não havia tantos veículos nas ruas, violência quase nenhuma. Tinha-se mais liberdade. Bons tempos que deixaram saudade.
Ainda sobre a saudade, afirnmo que saudade necessáriamente não é tristeza. É presença constante de momentos bem vividos. Nem sempre é uma saudade de alguém ou de algum lugar, mas aquela saudade que verdadeiramente toca o coração. Como das reuniões de família, de irmãos, tios, sobrinhos em que todos se confraternizam e desejam o melhor para os todos.
Saudade é amor, é partilha. Generosidade.
Ainda bem que sentimos saudade. Mais difícil do que ter e suportar uma saudade seria não ter vivido, não ter do que sentir saudade.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

DA MÃE NATUREZA, AS DORES...

(Para Moacir Teixeira)


Caro Moacir:

Confesso que não tive coragem nem competência suficiente para atender ao seu pedido, à sua sugestão, de escrever uma crônica cujo tema seria de uma provável e implacável vingança da natureza. Sugestão talvez apontada em face das tragédias que se abatem sempre nessa época do ano em diversos estados, como Rio de Janeiro e Santa Catarina.
Em alguns lugares chove demais; em outros, como no Rio Grande do Sul, seca desoladora, que estávamos acostumados a ver somente no Sertão Nordestino.
Repito: não tive coragem nem competência.
A natureza é mãe zelosa. Apanha mas não grita, não reclama nem ruge. Segura sua dor calada.
Mas o que se faz com ela? Diariamente acompanhamos nos telejornais o quão forte e dinâmica está caminhando a economia em nosso pais. Sonhávamos e começamos a ver que é real nosso país grande, pujante. Vemos um Brasil, que se não é justo socialmente - ainda temos muito que caminhar - a cada dia é mais próspero e desenvolvido. 
A indústria automobilística nunca vendeu tantos carros, de tantos modelos diferentes. As indústrias de motocicletas não dão cota de atender aos pedidos.
A reação em cadeia é inevitável. Os produtores de alimentos – pequenos e grandes empresários do agronegócio - comemoram a cada ano uma safra maior.
A falta de mão de obra especializada em todos os níveis atinge patamares nunca antes alcançados. O progresso traz oportunidades de empregos e suficiência econômica a muitas famílias. O Brasil grande de outrora retornou, desta vez com uma economia calcada em bases sólidas, sem fantasmas de dependência nem dividas eternas.
A construção civil é uma grande geradora de empregos. O sonho da casa própria cada dia mais real, mais próximo. E para construir casas, é preciso material retirado da natureza: areia, cimento, tijolos, madeira – aliás, muita madeira. Isso tudo vem de encontro à necessidade de produção maior de metais, aço, telhas, etc.
E de onde vem tudo isso? Das entranhas da terra, das minas das minas-gerais, das florestas derrubadas nas fronteiras do pais. Em ritmo alucinante carretas carregadas com mais de 60 toneladas cruzam o pais de norte a sul, levando e trazendo materiais e insumos.
O resultado é que temos nossas casas aconchegantes e acolhedoras. Mas ao sair de casa logo cedo, nos deparamos com a realidade, com o sufoco do desumano transito da cidade. Os 700 veículos que diariamente são colocados nas ruas de Goiânia, apesar de modernos e até futuristas, poluem, ocupam espaço, trazem desconforto.
A mãe natureza, meu caro Moacir, um dia não mais resistiu. Em momento de lancinante dor, rugiu, derramou-se, caiu prostrada. Levou consigo casas, em deslizamentos de terra, levou vidas, sonhos acalentados e não realizados. Mas não quero acreditar que tenha sido vingança, tenho certeza que ela segurou até onde não mais pôde.
Deixamos de cuidar da mãe natureza. A ferimos e a destruímos todos os dias.
Uma única certeza: o nosso futuro e das próximas gerações dependerá unicamente do que fizermos a ela. De bem ou de mal.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

OS RECANTOS DA CAMPININHA E DA PRAÇA A


A Campininha tem muita história. E história que não se encontra nos livros, nos jornais de época, mas na memória e nos depoimentos das pessoas que se orgulham muito de saber e ter vivido a história de lá.
A Praça A, que seria apenas uma praça como tantas outras, está guardada e viva na memória e, porque não, no coração de muitos que ali passaram e viveram em variadas épocas.
Quando me atrevi a contar, ou a querer contar alguma coisa que ficara sabendo foram muitas as pessoas, amigos e companheiros do cotidiano que vieram cada um, trazer sua parcela de conhecimento sobre a Praça A e também sobre a Campininha.
Sou imensamente grato a todos eles. E como tem historias para escrever. Locais como o bar do Trator, no Mercadinho do Setor Coimbra, bem na divisa com a Campininha, cujo local era freqüentado em sua maioria por pessoas humildes. Lá, o assunto predileto era o futebol. Apaixonados como eram, às vezes discutiam em tom mais forte, mais veemente, cada um valorizando mais seu clube do coração. Mas, invariavelmente, cada um seguia depois eu caminho, deixando as arrelias e os momentos de raiva como coisa do passado.
Aliás, bar era o que não faltava naquela região da praça A. Deixando o Bar do Trator, passava-se no Bar do Baiano Ismene, sujeito pouco afeito a conversas. Depois, nada como ir até o Bar do Salerno, onde tinha um sem número de caldos, dobradinhas e o tradicional escaldado do Salerno.
O Bar do Salerno era certamente o local mais freqüentado pelos boêmios da Praça A, que buscavam ali, após mais algumas cervejas o reconfortante e restaurador caldo de mocotó ou escaldado.
Depois disso, ainda arranjavam forças pra buscar inspiração e fazer serenatas para as pretendidas e amadas. Não raro atravessavam a madrugada e deixavam-se tomar pela responsabilidade apenas quando apareciam os primeiros sinais do dias, os primeiros raios de luz.
Era muito comum, depois de uma dessas, irem parar na Farmácia Progresso, do competente e cuidadoso farmacêutico Seu Augusto, que atendia a todos os seus clientes com imensa amabilidade, contanto um caso de um ou outro que passara por lá. Logo, se recuperavam da malvada ressaca, encontrando alivio pras inevitáveis dores de cabeça e outros incômodos estomacais. Depois, vinha um com a desculpa que ressaca braba se cura com outra ressaca e recomeçavam a boemia.
Seu Augusto foi professor e formou muitos farmacêuticos práticos, que fizeram nome em Goiânia e no interior do estado. Exemplo de dedicação e competência era muito querido por todos.
Na Campininha, um pouco distante da Praça A, nos fundo do Banco Real (que já não mais é Real) funcionava – e ainda funciona até hoje – o Restaurante Bom Bocado. Lá era lugar de pessoas mais abastadas, que aos domingos reuniam a família e deixavam da obrigação de fazer o tradicional almoço, se refestelando com o generoso e caprichado Buffet. Famílias tradicionais de campinas passaram por ali.
Na Praça A e na Campininha a vida era assim. Nos seus recônditos e recantos acolhia a todos, que ali viveram e passaram. E o melhor de tudo isso é o orgulho e carinho que têm por lá. Trazem sempre consigo as lembranças em seu coração.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

"RESPEITA AS CORES"

O campineiro Atlético Goianiense e sua torcida: "respeita as cores"


A “Praça A” é a porta de entrada do Bairro de Campinas, em Goiânia – local mais conhecido e carinhosamente chamado por seus moradores de Campininha.
E todo campineiro que se preze – e não poderia ser diferente – torce de forma apaixonada pelo time nascido no bairro, o Atlético Clube Goianiense. E se orgulha das cores da equipe campineira.
A Praça A, antes de se tornar apenas um entreposto de pessoas, um terminal de ônibus coletivos, era um lugar efervescente e tinhas lá suas pessoas, seus tipos muitos particulares. Pessoas que entrava ano, saia ano, sempre estavam por ali, seja exercendo sua função profissional, seja simplesmente indo e vindo, deixando a vida os levar.
Contam que tinha por lá um sujeito que, motivado por uma desilusão amorosa, se tornou alcoólatra. Mas não era uma alcoólatra qualquer. A começar pelas vestimentas: sempre um bem cortado – apesar de às vezes amarrotado – e limpo terno, de bom tecido, feito por alfaiate de nome. Chamava a atenção também a educação, a forma cortês com que se dirigia ás pessoas para, humildemente pedir alguns trocados para comprar cachaça. E eram sempre duas garrafas, uma em cada bolso, ligadas uma à outra por uma pequena mangueira que deixavam sempre perto o precioso liquido. E seu apelido não poderia ser outro: pinguinha. Sabia-se dele apenas que era oriundo de família importante da Cidade de Goiás. Apenas isso.
A Praça A era a porta de entrada da parte boêmia da Campininha. E tinha seus boêmios contumazes, que faziam questão de assumir esse seu lado da vida. Um deles, Walter Bongote era conhecido pela bela voz, cujas interpretações de Nelson Gonçalves e de Altemar Dutra sempre reuniam grande numero de pessoas. E era invariavelmente acompanhado pelo violão de algum amigo, as vezes de seu irmão Elias, que embora não cantasse, era bom instrumentista. Outro sempre presente por ali era o Delegado de Policia Alcione que, embora fosse profissional austero e dedicado, era boêmio confesso. E sempre achava jeito de ali mesmo de improviso, declamar versos, poesias, entremeando as canções interpretadas por Walter Bongote.
Sabe-se que alguns desses momentos alguém registrara em um velho gravador Philips, em uma velha fita-cassete. Talvez para reviver, recordar esses encontros um dia. E alguém saberia dessa fita?
Mas figura folclórica e marcante mesmo a era o atleticano de quatro costados de nome Celestino. Mecânico de peças hidráulicas, poucos o conheciam pelo nome, mas se falasse do seu apelido, era fácil saber quem era. É que ao ouvir alguém falar mal de seu clube do coração ele bramia em alto e bom som: “respeita as cores”. E saia de perto, contrariado se continuassem a falar mal de seu clube. Acabou ganhando a alcunha de “Respeita as Cores”.
Assim foi um dia a Praça A. Reduto de boêmios, poetas do povo, cantadores, trabalhadores e cidadãos que lutavam pela vida. E caso o leitor não esteja acreditando no Atlético nesta temporada, ah, por favor: “respeita as cores”!!

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

REMINISCÊNCIAS DA PRAÇA "A"

Sentado em frente ao balcão da pequena e apertada lanchonete, mal percebi quando a atendente gentilmente me chamou perguntando qual refrigerante eu queria. Respondi de forma aleatória, ocupado em observar o movimento intenso de pessoas apressadas, em busca de seus compromissos, suas obrigações, seus afazeres.
“Isso aqui sempre foi muito movimentado...” - o comentário foi de um senhor de idade que ao meu lado degustava um pastel e notara o quanto eu estava observando o local.
Realmente, pensar que aquela construção feia, preta de fuligem e que emitia um barulho ensurdecedor um dia fora uma praça, era até difícil de imaginar.
O vizinho de lanche então se pôs a contar do que fora um dia o local chamado Praça A, antes de virar entreposto urbano, um terminal de transporte coletivo.
Era um lugar que nada tinha de praça, rodeado de oficinas, lojas de autopeças, farmácias, estacionamento de caminhões, de carroças e charretes. E muita gente circulando, trabalhadores e desocupados, de todas as classes e origens.
Por falar em charretes, logo elas rapidamente foram desaparecendo, sendo substituídas por carroças e por um motivo pitoresco e curioso: receberam o apelido nada elogioso de “balaio de quenga”. Com isso, família ou pessoa de família que se prezasse não utilizavam o meio de transporte, pois naqueles tempos era certeza absoluta de ficar falada, mal vista. Melhor para os poucos veículos de táxi, os chamados carros de praça.
Nas biroscas, pequenos cafés, nas lojas ou oficinas ouvia-se a Rádio Difusora de Goiânia em sua programação diária. Também a Rádio Clube. Já de noite era hábito se reunir nos bares, ao lado de um imponente rádio de mesa pra ouvir as notícias do Repórter Esso – Testemunha ocular da história, na voz imponente do gaucho Heron Domingues, que era transmitido pela Rádio Globo do Rio de Janeiro.
Depois desse encontro após as noticias, alguns homens se dirigiam para o local compreendido pelas avenidas Bahia, Catalão e P-16. Ali ficavam os redutos da boemia. Era comum ouvir uma possante voz sempre acompanhada por um violão dolente, de pessoas que, em alegre companhia deixavam-se enlevar nas canções maviosas de seresta. Altemar Dutra era um dos preferidos. E atravessavam a noite, adentrando a madrugada.
Aos domingos acontecia ali uma feira, onde a população encontrava de tudo que precisava; de cereais até o tradicional frango de domingo que naquele tempo somente existia caipira. Às vezes, um apequena desavença entre alguns indivíduos. E a sempre bem assistida briga de mulheres que, quase sempre por motivo de ciúmes, se engalfinhavam, para delicia da numerosa platéia que rapidamente se juntava. E que reclamava quando os fardados chegavam e levavam as brigonas para outro lugar.
Meu vizinho de lanche em poucos minutos me fez viajar no tempo. E me perguntar: quem seriam as pessoas da Praça A? Como viveriam o cotidiano, o dia-a-dia?
Passei a imaginar como aquelas pessoas que um dia fizeram a história daquele lugar. Da Praça A – a praça que nunca foi de verdade uma praça, mas um ponto de encontro e porta de entrada da história da querida Campininha.