sexta-feira, 27 de abril de 2012

"A BENÇA, PAI... A BENÇA, MÃE"


                Desde muito cedo, criança ainda, fui instado por exemplos paternos e de família a levar uma vida correta e de respeito às pessoas. Era habito saudável e muito bem visto logo cedo, ao avistar o pai ou a mãe, tomar-lhe a bênção.  Estendido também ao avistar tios, avós ou, simplesmente pessoas da família de mais idade e experiência. Também aos padrinhos.
                Recebia-se em contrapartida um carinhoso e confortante “Deus te abençoe”, ou “Deus te faça feliz”. Sempre vi essa atitude, além de um cumprimento, uma clara manifestação de respeito e carinho.
Meu saudoso pai, sempre que encontrava meu avô, fazia questão de pedir sua benção.  Era algo pétreo nas relações entre os mais jovens e mais velhos. E o Quarto Mandamento da lei de Deus, segundo a Igreja Católica, diz que é preciso “honrar pai e mãe”.
Um dia fui estudar em um colégio interno, de padres salesianos. Naquele tempo a comunicação mais fácil era por carta. Telefone era difícil, em poucas cidades existiam e sequer se pensava em internet e facilidades do correio eletrônico. Nas cartas que escrevia, logo após a data vinha a frase: “meus queridos pai e mãe: abençoem-me”. E na resposta que logo vinha iniciava-se com “Meu querido filho: Deus te abençoe”. Aquele tratamento carinhoso e aquela bênção, tão de casa, pareciam um bálsamo para a alma, às vezes magoada e tomada pela saudade.
             Hoje, relações entre pais e filhos, ou mesmo entre tios e sobrinhos são bem mais largadas, ou menos formais. Muitas vezes ouve-se apenas um “e aí, Velho?”, ou coisa parecida.
             Mesmo assim não vejo que valores de respeito e amizade tenham acabado.  Simplesmente mudaram. Os tempos são outros e o jovem obtém necessariamente, por imposição da vida, sua individualidade e independência muito cedo. Ao contrario de minha época hoje a juventude logo, muito cedo,  define caminhos e rumos na vida. Coisas corriqueiras e aparentemente de pouco valor, como pedir a bênção ao pai e à mãe acabam ficando em segundo plano para a maioria.
                Sequer imaginam que um dia isso poderia ser tido e entendido como desonra. Hoje simplesmente honram pai e mãe de outra forma, demonstrando amizade, companheirismo e bons resultados na escola.  E tudo isso se refletirá de forma bem real na sua trajetória de vida.
                Nas férias do colégio interno, quando voltava à casa paterna, ao abraçar meu pai e minha mãe dizia: “bença, pai”, ou, “bença, mãe”. Significava que ali estava aberto o coração e que eu era novamente bem vindo ao seio da família.
                As férias eram maravilhosas. Sair da rotina rígida do colégio interno para o mundo acolhedor da casa paterna, para as manhãs de liberdade. Nos dias que se seguiam era aproveitar e andar de bicicleta, jogar futebol, tocar violão em animada roda de amigos, visitar familiares, pescar nos pequenos ribeirões que circundavam a cidade. Tudo isso era de uma felicidade e alegria incomensurável. Pena que as férias passavam tão rápido. Logo era chegada a hora de arrumar as malas, embarcar no velho ônibus e sentir voltar ao coração aquele tanto de saudade.
                Na pequenina e tosca rodoviária hora da despedida. Impossível conter uma lágrima fortuita e aquele nó na garganta. Depois de abraços e desejos de boa viagem, hora de dizer meio que soluçando, quase sem voz: “bença, Pai... bença, Mãe”.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

POR CERTAS CANÇÕES...

          Pouco ou quase nada entendi quando vi minha mãe mandar que corressem e chamassem minha irmã, que estava lavando roupas no pequeno riacho que corria ali bem pertinho de casa. Entendi menos ainda ao ver seu estardalhaço e algazarra , quando chegou correndo, acompanhada por uma legião de mulheres que como ela também lavavam roupas.   Foram se postar ao pé do velho rádio ABC - A Voz de Ouro, que ficava na sala sobre um pequeno suporte colado à parede simples de taipa.
                Acompanhei a movimentação e olhando meio de soslaio pude perceber alegria e felicidade estampadas em seu rosto. Num átimo a sala encheu-se de pessoas, até trabalhadores da roça que estavam nas imediações vieram atraídos pela movimentação. A ansiedade de todos era nítida. Enquanto isso, no rádio podia-se ouvir alguns comerciais na hora nobre da manhã da Rádio Brasil Central de Goiânia.
                Logo a voz possante do Locutor Jacir Silva reaparece e afirma que em instantes iria ler uma carta - uma simpática cartinha.
                Na narrativa do locutor minha irmã mandava lembranças a todos na fazenda e em especial, a um jovem rapaz em uma cidade próxima, por quem seu coração estava meio que inclinado.
                Apesar do hiato de tempo ainda me lembro da canção. Não sei o nome, muito menos quem a cantava, mas era uma canção alegre e divertida, algo como “pegue sua esteira e seu chapéu, vamos pra a praia que o sol já vem...”.
                O locutor Jacir voltou a cumprimentar minha irmã e a todos na Fazenda Nova America com a costumeira alegria, tão peculiar ao rádio. E fez comentários sobre quem seria o felizardo que merecera aquelas palavras de carinho e consideração.
                Naquele e nos dias que se seguiram, parece que a costumeira alegria foi ainda maior na Fazenda Nova America.
Pouco tempo depois meu pai vendeu a fazenda e mudamos para a cidadezinha próxima. Universo diferente, distante daquela calmaria de outrora. No inicio estranhei muito, mas aos poucos fui me adaptando e como tudo na vida, o tempo é que cura o queijo.
Um dia chego em casa com e percebo uma pequena radiola. A seu lado alguns discos - LP’s e compactos. Acerquei-me da novidade, mas logo retornei à companhia do velho radio ABC, pois as opções ali eram poucas, limitavam-se a poucos discos. O radio me trazia bem mais opções e variedade.
Acontece que aquele rapaz, motivo da carta da minha irmã à Rádio Brasil Central e ao Programa do Jacir Silva, daquela manhã ensolarada da Fazenda Nova America, acabara se tornando seu namorado. E para trazer diversão e alegria sempre vinha com discos. Nos novos, que não eram emprestados, fazia questão de escrever: “para você, com amor”.
Assim conheci as belas canções italianas da época, as canções românticas de brasileiros que usavam nomes estrangeiros e as maravilhosas interpretações de Moacyr Franco, como “Cartas na mesa”.
A vida seguiu. Hoje a realidade das canções está mais perto de todos nós. Viraram simplesmente mídias. Tecnologias como Youtube, MP-3 e outras denominações tornaram acessíveis e muito próximas qualquer canção.
Mas nada se compara a canções que, anunciadas por um locutor como Jacir Silva através da Radio Brasil Central de Goiânia, em uma distante manhã ensolarada, entremeadas por comerciais e noticias, foram recebidas com alegria por um sem número de pessoas, em um velho rádio ABC – A Voz de Ouro na sala simples da Fazenda Nova América. E mais: canções que foram capazes de unir dois corações.
A magia do rádio. Que jamais perderá o encanto.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

GOIÁS: SONHO E ESPERANÇA - FADO, DESTINO

                Imerso em meu eu interior, viajo por canções e obras de poetas. Reencontro em uma canção o Goiás que tanto amo, a terra natal tão presente em minha vida, em meu coração. E a canção, um fado composto em homenagem à antiga Vila Boa, hoje Cidade de Goiás, é o que me leva a isso.
                Mas Fado goiano? Fado não é privilégio de Lisboa ou Coimbra, em Portugal? Sim, um Fado goiano. Uma bela poesia, que emoldurada por bela canção fala de “um índio Goyá, Vila Boa Goiana ou Arraial de Santana, seus Farricocos, desliza nas águas de um Rio Vermelho brilhante sob a luz da lua, voa sobre a Serra Dourada. Com saudade lembra Goiandira, visita a Casa velha da ponte e avista ao longe o fogaréu. Ainda reflete sobre os mistérios da vida e invoca os Santos de Veiga Valle que vivem no Boa Morte. Finaliza declamando o Poema do Milho, de Cora Coralina”. Lírico relato. A poesia e a canção se fundem resultando em um fado que verdadeiramente saiu dos recônditos da alma de um coração Goiano.
                Nessa viagem paro e analiso meu fado, enquanto sina, destino. Da criança pequena que vivia na longínqua Fazenda Nova America, no carinho e aconchego do lar, ao lado dos pais e irmãos e que se encantava com o som e as canções trazidas por um velho rádio ABC - A Voz de Ouro. Mas o encanto maior ficava para as noites de lua clara e cheia, onde fechava os olhos e deixava se enlevar ao som dos dobrados e valsas tirados de um desgastado violão pelas mãos rudes e dedos calosos de seu pai.
Mais tarde, já na querida e distante São Miguel, passeava e crescia entre prateleiras simples de madeira do Armazém do pai, ou simplesmente, da Venda, como chamavam o pequeno comércio de secos e molhados. Das visitas rápidas às belas praias do Rio Araguaia, majestoso e pujante, até o garoto que um dia, com o coração premido pela saudade, desembarcou em um ônibus na Avenida Independência, no Centro de Goiânia foi tudo muito rápido. Foi buscar a sobrevivência, escrever sua história, viver esperanças, formatar e acalentar sonhos. Do pequeno menino que, saído da Fazenda Nova America, embarcou em sonhos que se tornaram realidade, e muito jovem se tornou pai e chefe de família. Seria isso apenas fado, destino, sina?
                E será que devo – ou devemos – aceitar e acreditar que o destino que nos leva? O destino é que delineia e define nossos caminhos? Estaria tudo escrito já? Cumpriríamos apenas uma sina?
                Posso afirmar categoricamente que não. Apesar das voltas e reviravoltas que a vida diariamente nos traz somos capazes de enfrentar os dissabores, vencer desafios, matar um leão a cada dia – ou a cada hora do dia – e ao fim da tarde perceber que se não mudamos o mundo ao menos tentamos torná-lo melhor e mais humano.
                Imerso nesses pensamentos sobre trajetórias de vida e destino, percebo ao fim da canção, o belo fado criado por um coração goiano, onde no ultimo verso, talvez de forma premeditada o poeta quis mostrar como sonha que deve ser a vida. Ou mesmo massagear o coração e acalentar a alma de quem um dia ouvisse.
Assim escreveu e cantou o poeta: “... tudo é pleno de paz: meu amor, meu Goiás”.


Fado de Vila Boa, de Pádua e Nars Chaul




quarta-feira, 4 de abril de 2012

O MENINO TIÊ E O TEMPO DA QUARESMA

               O menino Tiê não gostava muito da época da Quaresma e da Semana Santa. As limitações impostas eram para ele verdadeiro martírio. Mas entendia e respeitava acima de tudo as ordens de seu pai e de sua mãe. Cumpria rigorosamente.
                O que menos gostava era ter que deixar pendurado no alto, em um prego o seu estilingue, companheiro de todas as horas e o inseparável canivete, que ganhara do pai, com algumas recomendações quanto ao uso.
                 Por outro lado, seu pai também guardava, até deixava bem escondida a velha espingarda cartucheira calibre trinta e seis, muito útil naqueles rincões.
                Acordava sempre bem cedo, mas logo ficava acabrunhado e cabisbaixo. Não podia ir até a roça de milho, nessa época já seco e prontos para a colheita, seu local ideal para a caça de passarinhos. Também não podia sequer cortar uma boa forquilha para mais um cabo de estilingue, que costumava manter sempre um bom estoque, trocando quase semanalmente. As boas eram de galhos de goiabeira, que não quebravam nem deformavam.
                Também não podia gritar alto, brincar com suas irmãs, correr pelo imenso terreiro nem subir em arvores. Tinha que guardar bem o período, sob pena de castigos futuros.
                No período da Quaresma na Fazenda Nova America não se matava nenhum animal, mesmo que fosse para comer. Do galinheiro utilizavam-se apenas os ovos.
                E seus pais, fervorosos, não comiam carne de jeito nenhum durante todo o período da Quaresma. Ainda faziam jejum às sextas-feiras. O menino Tiê buscava explicações para aquele sacrifício todo, afinal seus pais trabalhavam muito. Pacientemente seu pai explicava, com base nos princípios religiosos.
                Chegada a Semana Santa e o cuidado e as limitações se redobravam. Tempo de abstinência maior e ninguém na casa – nem adultos nem crianças – comiam carne.
                Na Sexta-feira Santa, dia da Paixão de Cristo, o sacrifício era bem maior. Silêncio quase absoluto durante todo o dia. E por volta de uma hora da tarde, iam para a casa de seu avô, em outra fazenda bem próxima. Reunidos, tios, primos, vizinhos e amigos na grande sala, rezavam e faziam a Via Sacra. Em respeitosos e contritos momentos de oração, aos poucos iam, a intervalos regulares, vivenciando a história do martírio de Jesus. Tudo isso ia até por volta de dez horas da noite, quando voltavam para casa.
                No dia seguinte era o Sábado de aleluia. O menino Tiê era bonzinho, quase não teimava, mas lembrava que agora teria que ser mais cuidadoso, pois durante a quaresma os pais não castigavam seus filhos, mesmo os mais danados. E no sábado de aleluia via muitos primos receberem corretivos por peraltices feias anteriormente.
                No sábado de aleluia a alegria voltava na Fazenda Nova America. Era dia de festa. Matavam-se porcos, frangos e o violão dolente de seu pai voltava a trinar seus acordes.
                De noite, novamente na casa de seu avô, hora de malhar o Judas e se refestelar com as delicias feitas por sua avó e suas tias. Hora de ouvir seu pai tocar violão e seus tios entoarem belas canções. Era assim o tempo da Quaresma e a Semana Santa na Fazenda Nova América.