sexta-feira, 13 de abril de 2018

SEMPRE ELA: A POESIA





Quando menino eu me encantava com os sons advindos do velho e surrado violão que meu pai costumava tocar quase todas as noites – ou quando o cansaço da lida diária permitia. A singela calçada de chão batido, escorada por velhos troncos de madeira era seu palco, com a plateia cativa de meus irmãos e irmãs, além de minha mãe, que vez ou outra se animava a declamar versos. A luz que costumeiramente iluminava esse palco maravilhoso vinha da lamparina que ficava na sala da casa simples - e das estrelas, que pareciam emitir brilhos de alegria a cada acorde que meu pai dedilhava ao violão e a cada sorriso daqueles que estavam ali a se encantar.
 E vez em quando ela aparecia. No início eu apenas a percebia pelas frestas do telhado, juntamente com estrelas. E ela, a lua, assim como as estrelas companheiras aos poucos se iam deixando de certa forma confuso meu pensar de criança, que se encantava com o barulho da noite e a claridade do céu.
Mas eis que em algumas vezes ela vinha imponente, em início da noite com as luzes do entardecer ainda se despedindo do dia. Chegava imensa, clara, mágica e bela e se postava no firmamento, trazendo raios de luz que acalentavam ainda mais aqueles momentos de poesia, canções e felicidade.
A vida seguiu. A poesia, que conheci e senti quando minha mãe cantava ao me embalar na rede da pequena casa onde morávamos, ou nos singelos porem líricos momentos de enlevo ao som de canções, acordes e declamações, me acompanha até hoje.
Seguiu comigo na adolescência, no primeiro amor, nos poemas que me atrevi a compor ouvindo o coração, no andar pelas ruas de mãos dadas com a amada e a ela dedicar canções, como fazia meu pai à minha mãe.
Esteve nos momentos da infância de minhas filhas, em cada conquista que tiveram e sobretudo nos momentos de alegria que nos permitimos dividir. E na maioria das vezes com o som de um violão, mas agora, tocado por mim.
E a poesia se faz presente no sorriso de criança do pequeno Gabriel, que se encanta com coisas simples porem indispensáveis ao coração, como o canto de galo no terreiro, mugir de gado no campo, o diálogo ininteligível de um casal de araras que corta o céu na beleza de um entardecer, ao caminhar lenta e calmamente por uma estrada de fazenda, acompanhado pelo espevitado e irrequieto cãozinho Bidu.
Hoje recordo esses momentos, diante da mesma lua, das mesmas estrelas e do som da noite que um dia me fizeram companhia na infância. O tempo inexoravelmente passou, a vida trouxe novos e alegres momentos.
E com ela, sempre ela, a me acompanhar: a indispensável Poesia.


sexta-feira, 6 de abril de 2018

ÁGUAS E TEMPESTADES DE ABRIL






O alto volume das águas que cai nesse mês de abril em Goiânia surpreendeu meio mundo. É que normalmente, após as aguas de março e a famosa e até esperada enchente de São José, por ocasião da data comemorativa ao santo, em abril caem poucas e distantes chuvas, como que a preparar para o mês de maio, onde tradicionalmente em Goiás se encerra o ciclo de chuvas.
Haviam ocorrências de chuvas fortes, mas a que caiu na tarde da última quinta-feira foi talvez, como nunca aconteceu por aqui.
De uma hora para outra se viu veículos rodando ao sabor da volumosa enxurrada e a assustadora imagem do Córrego Botafogo e sua famosa “marginal” tomados pela água deu a dimensão do que de fato ocorreu. Acostumados que estamos a ver tal situação em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, de repente percebemos que Goiânia não é mais aquela cidade tão boa de se viver, longe de tragédias e intempéries dessa monta.
Mas a pergunta que se faz é sobre os motivos dessas ocorrências. O que está acontecendo na outrora bela e acolhedora capital mundial do pequi? Afinal, chuvas fortes sempre ocorreram, mas de levar carros, invadir residências e tomar por completo ruas e avenidas não tenho lembrança.
E antes que os especialistas de plantão coloquem a culpa em situações óbvias, como o desmatamento da Amazônia, aquecimento global, o Presidente Trump e outros motivos, é preciso olhar para o que ocorre em nossa metrópole.
Até algum tempo, tínhamos quintais, onde se cultivavam pequenas hortas, cresciam mangueiras e outras arvores frutíferas. Hoje, somente cimento e com sorte, quem pode tem uma piscina. Os quintais acabaram, afinal, ninguém tem tempo para cuidar de horta, podar mangueiras e com frequência varrer e retirar as folhas que caem ao chão.
Outro fator importante é a especulação imobiliária desenfreada, desumana e fria, com imensos arranha-céus que fazem jus ao nome sendo construídos em locais até então inimagináveis. Pode até ser símbolo de modernidade, mas as consequências certamente são o que se viu esta semana.
E a natureza, assim como a arte, imita a vida. Vivemos em nosso país intempéries e incertezas quanto ao futuro. De uma hora para outra, tribunos do alto de sua megalomania e vaidade estão a decidir os rumos de nosso país. Com o poder que têm, levam àquele cidadão simples que deixa seu lar para ir ao trabalho as cinco da manhã a certeza que poderosos se locupletam em mares de lama da corrupção e ainda tem apoio desses “doutores”.
O cidadão que trabalha o dia inteiro na maioria das vezes por um salário irrisório, volta para casa sem saber se encontrará seus poucos e simples móveis dentro de casa; e ainda vê que corruptos encontram guarida diante de altas autoridades.
Daqui do meu cantinho simples, humilde e aconchegante, onde me permito admirar a chegada de um novo dia, ou mesmo ver a noite calma e tranquilamente trazer estrelas ou nuvens de chuva benfazeja - às vezes com sinfonia de pássaros - me resta ter esperança. Esperança que nosso país volte a ser um lugar onde as pessoas podem se cruzar nas ruas harmoniosamente, sorrir um para o outro e serem amigos, independente de opção partidária.
É a esperança que resta. E que nunca darão conta de acabar.