sexta-feira, 20 de novembro de 2015

BALÉ DE SONHO, E FANTASIA




A cortina a abre e o palco, misterioso e encantador desnuda-se diante de uma plateia ansiosa pelo que há de vir. Luzes intensas de variadas cores e formatos ilustram o som da orquestra, que começa suave, tênue, para aos poucos, evoluir e se tornar forte, vigoroso.
Sutilmente, uma bailarina entra em cena, evolui ao compasso da orquestra que, regida por jovem e atento maestro, mostra a perfeita sintonia entre arranjos e movimentos.  A graça, a elegância, e o sorriso firme e verdadeiro em seu rosto vai encantando, tornando aquele momento, de muita técnica, dela e da orquestra, um suave e delicioso deslizar, qual voo de beija-flor...
Súbito a música muda e um grande número de bailarinos e bailarinas entram em cena. Uma musica alegre, misto de dança cigana e dança flamenca. A Espanha se faz presente. O vigor e a alegria dos movimentos são valorizados pela beleza do figurino que adorna corpos esculturais.
Na plateia, uma jovem senhora se emociona ao ver o sorriso das pequenas bailarinas, que ora sentadas, ou em movimento, parecem ninfas a cuidar da heroína da historia. Fica emocionada e sem que perceba, vai até a infância, ao seu tempo de criança e adolescente, quando no antigo cinema da pequena cidade onde morava, assistiu a um filme, em uma sessão de domingo, que contava a historia de uma bailarina. E a partir daí, sonhou um dia ser bailarina.
Eis que a jovem senhora se viu no palco, sob as luzes do espetáculo, acompanhada pelos bailarinos, recebendo a atenção dos acordes e arranjos da orquestra, que tocava para ela. Tocava canções que embalaram seus sonhos de menina-moça, sonhadora e ingênua.
A jovem senhora dançou e evoluiu naquele cenário de sonhos. Levitou e foi feliz naquela ilusão, ainda que por breves instantes.
Foi despertada do seu torpor, ainda com o sorriso de bailarina no rosto, pelas palmas e gritos de bravo, que ecoados da plateia atingiram seu coração.  Bateu palmas acompanhando a todos, mas sentia que os aplausos eram para ela. E o coração batia no ritmo daquelas palmas...
Era sonho, amor, lembranças. E saudade...
Ao voltar para casa, embora acompanhada de amigas, permaneceu calada, sob o efeito da emoção vivida há pouco.
Ao lembrar que o espetáculo permaneceria em cartaz por mais alguns dias, resolveu que viria novamente assisti-lo. Para na sua fantasia, entrar em cena, naquele palco dos sonhos guardados e acalentados na infância.
Dançaria acompanhada pelas ninfas, seria cortejada pelo seu par bailarino e acima de tudo, se emocionaria com as luzes, com os acordes da orquestra, com a magia das canções e com o aplauso da plateia.
Ao voltar para casa, desta vez sozinha, a jovem senhora se sentia novamente menina e agora bailarina. Foi feliz naqueles breves instantes de ilusão e fantasia. Aplaudida pela plateia dos sonhos.




domingo, 1 de novembro de 2015

A LEVEZA DO VIVER





Ao abrir a porta e caminhar em direção ao quintal, nos primeiros momentos da manhã, que ainda trazia vestígios da madrugada, de imediato senti o cheiro de terra molhada, de terra visitada e acariciada pela chuva da véspera.
As últimas e teimosas estrelas insistiam em permanecer no céu e os pássaros alegres e ruidosos abriam o concerto matinal com alegre sinfonia. Executavam sutil balé, em seu ir e vir de árvore em árvore. No chão, a leveza de claras e límpidas gotas de orvalho espalhadas sobre a relva que, após as primeiras chuvas, brotaram verdes e viçosas. O aroma de terra molhada permanecia. À medida que o sol aumentava sua presença com dourados e imponentes raios, o dia ficava mais bonito e encantador.
A chuva da véspera fora forte, acompanhada de ventos intensos e velozes. Os trovões e o clarão dos raios que riscavam o céu incessantemente me levaram à infância, me levaram ao medo que eu tinha quando, pelas frestas do telhado da pequena casa da fazenda acompanhava sua trajetória irregular.
Quietinho, deitado sob as cobertas e parte da cabeça coberta, deixava apenas os olhos, que, assustados se negavam a deixar de acompanhar a tempestade.
Em minha inocência de criança, ficava a imaginar qual seria o destino deles, para onde iam aqueles raios, tão rápidos, que sempre “andavam” à frente dos potentes e assustadores trovões. Para onde e porque sempre havia um barulho daqueles a persegui-los? Eram belos, mas traziam medo. Mas fascinava minha imaginação de criança.
Assim, a noite ia, a tempestade passava e eu adormecia. Ao levantar, antes mesmo de tomar o café da manhã, eu corria a ver o que a chuva deixara. Fitava os caminhos interessantes, desenhos feitos na areia, pela água que corria e deixava suas marcas. De longe, via que o ribeirão que servia a casa, onde eu e meu pai tomávamos banho ao entardecer, estava com suas águas caudalosas e turvas. Olhava no horizonte e percebia um sol tímido chegar.
Como na manhã de minha infância, eu também olhei, apesar do pequeno espaço do quintal, que a enxurrada deixara seus rastros. Faltou o pequeno ribeirão. Um alto muro impedia a visão de horizonte. Restara-me o caminho feito pelas águas e o canto dos pássaros, com o cheiro de terra que ali estava.
Sentindo as caricias da cadela Doth, que viera me saudar com sua alegria costumeira, me pus  a refletir. Refletir que a vida passa, o tempo passa, mas mantemos sempre no coração as coisas simples belas que tanto amamos e gostamos. Vão desde a lembrança do sorriso franco de criança pequena, do canto de pássaros a uma manhã com cheiro de terra molhada.
E o brilho do sol daquela manhã encheu de paz meu coração. Fui para a batalha diária da vida com a alma leve. E leve, como deve ser a vida. Cheia de paz e com esperanças renovadas a cada manhã. Até mesmo, em uma manhã como aquela, depois da tempestade.