sexta-feira, 30 de setembro de 2011

PRIMAVERA, CIGARRAS, REENCONTRO

                      Eu bem que quis escrever sobre outro assunto. Quis variar um pouco, afinal, como hoje é um retorno, um recomeço do contato com os tão caros amigos ouvintes do Seresta, seria bom vir com algo inédito, algo que, como de tantas vezes, pudesse atender a pretensão de tocar o coração dos que nos ouvem.
                Confesso que não consegui. Não consegui, pois desde as primeiras horas da manhã um sabiá laranjeira, com seu canto dolente, insiste em me encantar, com sua sinfonia bela e melancólica.
                A primavera chegou na madrugada do ultimo dia 23. Chegou, é verdade, mas continuamos tendo dias e noites de muito calor, muita sequidão e umidade com níveis de deserto do Atacama.
                Fim de tarde de uma sexta-feira quente e abafada. Além do canto do sabiá, percebo que as cigarras estão começam a entoar insistente e harmônica sinfonia. Antes do canto das cigarras, embalado pela alegria do sabiá laranjeira, pude observar nas flores da goiabeira e dos cajueiros um sem numero de insetos, abelhas, pequenos besouros, todos em seu natural trabalho de polinizar e dar a seqüência à vida, para que logo venham frutos.
                O canto das cigarras e o mormaço trazem uma certeza: a primavera trará em breve a irmã chuva. Chuva! Que saudades, irmã chuva.
                Hora de saber se aquelas pequenas goteiras da casa que haviam sido consertadas voltaram, e matar a saudade da água escorrendo no terreiro, contrastando com a luz dos postes, de sentir na face o leve e carinhoso respingo da chuva, nos beirais da varanda.
                A primeira chuva lava e limpa telhados, retira a fuligem e poeira das folhas das árvores, traz o cheiro característico de terra molhada que, segundo os antigos, se ficar muito próximo, acaba contraindo gripe. Não desfaço da sabedoria dos antigos, mas gosto de sentir o cheiro de terra se molhando, logo nos primeiros pingos.
                Depois, já no outro dia, vem a alegria de andar e sentir ao pisar na terra molhada. Parece que  o ir e vir dos pássaros se acentua. Harmonia da natureza. O orvalho da manhã indica que logo a vida voltará onde apenas existe terra seca. Fertilidade.
                O canto das cigarras traz o encanto da volta das chuvas, da expectativa de fartura, da renovação da vida.
                Ousaria comparar a volta das chuvas, o canto do sabiá e das cigarras com a volta desse programa ao vivo das sextas-feiras. Assim com faz falta a chuva, como faz falta a alegria da natureza se renovando com o verde dos campos e da arvores, também fez muita falta esse nosso encontro semanal.
                Bom ouvir o sabiá saudando a primavera, bom rever o canto alegre das cigarras, assim como é muito bom reencontrar os amigos que sempre estiveram e sempre estarão em nossos corações. A primavera, com o canto das cigarras e dos sabiás, com as flores que em breve serão frutos, fez com que esse reencontro se tornasse melhor ainda. Bem vinda, primavera.

Goiânia, 30 de setembro de 2011
Paulo Jose Américo Rolim

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O PORQUÊ DE ESCREVER E CONTAR HISTÓRIAS

Era muito criança quando ganhei de presente de minhas irmãs meu primeiro livro. Não era bem um livro de histórias, um romance – até porque eu ainda não sabia ler – mas um livro de histórias em quadrinhos muito colorido, de um super herói pra lá de esquisito, mas que pela forma, pelas cores e pela novidade fez com que me encantasse.
Passados poucos anos ainda na infância, aprendi a ler. Foi uma descoberta, uma transformação. As pessoas ficavam admiradas ao ver aquele pirralho a decifrar placas de lojas comerciais, revistas, livros.
Na Fazenda Nova América havia uma pequena escola rural, mantida por meu pai, onde estudavam os filhos dos agricultores da vizinhança. Foi ali que dei meus primeiros passos com os livros. Nas tarefas de leitura, eu era sempre o primeiro a querer apresentar meus conhecimentos, para que me fosse tomada a lição do dia.
Lia com imensa satisfação e prazer os livros de História Geral e do Brasil que meu pai possuía. Viajava ao mundo da civilização grega, da civilização romana e me encantava com as realizações daquele povo.
Adolescente, ganhei uma coleção de livros intitulada “Para gostar de ler”. Eram crônicas escritas por Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Fernando Sabino e o grande Carlos Drummond de Andrade. Viajava nas pequenas historias contadas de forma inteligente, divertida e genial.
Conheci os clássicos brasileiros, de Alencar a Machado de Assis, de Raul Pompéia a Jorge Amado, passando pela magnitude da obra do José Mauro de Vasconcelos. Aliás, durante muito tempo o meu livro de cabeceira onde abria para ler ou reler em qualquer página, foi o singelo e belo “Vamos aquecer ao Sol”. Impossível não me identificar dom o menino Zezé, com seu sapo imaginário chamado Adão, que morava em seu peito, em seu coração. Com o sonho do menino que adotara como pai o ator Maurice Chevalier, de quem recebia visitas constantes e o chamava de “monpti”. Tudo isso apenas nos sonhos e em sua mente de criança.
Depois de algum tempo conheci a beleza da poesia de Cora Coralina, a menina Aninha dos becos e ladeiras de Goiás Velho e da Fazenda Paraíso. Veio junto com a sutileza e sabedoria dos escritos de Carmo Bernardes, cuja obra completa fiz questão de conhecer.
Lia as crônicas dos jornais diários daquela época. Havia mais jornais do que hoje. Assim, conheci João Bênnio, cujas estórias sobre os acampamentos do Rio Araguaia divertiam bastante. Também o maravilhoso Jean Pierre Conrad, que escrevia com inigualável conteúdo poético as coisas simples do nosso dia-a-dia. Coisas simples e belas.
Sobre o Jean Pierre, a quem chamamos apenas de Pierre, tenho uma recordação interessante. Um dia, nos corredores de uma empresa onde ele trabalhava me apresentei como seu leitor, não obtendo muita atenção do mesmo. Ainda assim afirmei taxativamente a ele: “suas crônicas são uma beleza”. Ele virou as costas despedindo-se rapidamente. Depois fui saber que o mesmo enchera os olhos de lágrimas pelo reconhecimento de sua arte.
Já adulto segui lendo Luiz de Aquino, cuja poesia forte e intensa trouxe momentos como “Direi esta noite das coisas que sinto e que às vezes doem…” ou “não sei se te faço um poema ou se te mando à merda”. Nesta época me aventurei a escrever minhas primeiras poesias. Ainda as guardo em folhas de papel amarelado pelo tempo e também nos escaninhos do coração.
Faz algum tempo que me meti a escrever crônicas. De forma simples e até atrevida, às vezes consigo enxergar detalhes do cotidiano, momentos, pessoas, situações. Como na história da pequena Simone, menina adolescente que vende balas nos semáforos da cidade. Emocionava-me todos os dias quando passava por ela, naquele momento, àquela hora da manhã a lutar pela vida. Poderia estar em sua casa embalando seus sonhos de menina-moça, em um colo de avó ou mesmo na escola desenhando nas letras da vida seu futuro.
Não tenho a pretensão de ser comparado ou me igualar, pois sequer chego perto da qualidade dos autores que citei acima. Mas apesar da minha insignificância, deixarei meus escritos como prova da minha vida, da minha existência.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

CARRINHO DE LATA

 



As noticias que minha mãe trouxera ao chegar da cidade grande não agradaram meu pai. Durante uma semana pude observar sobre a mesa da sala umas latinhas de cores alegres com letras grandes. A coisa começou também a sobrar pra mim. Logo cedo, ao Levantar e esperar que a deliciosa carne de porco armazenada na lata, esquentada e adicionada de farinha viesse, fui logo avisado que aquela “mordomia” teria vida curta. Meio que indignado e curioso, mas absorvido em meu prato, nem liguei muito. Preferi não perder tempo, afinal, se era pra acabar, que eu me deliciasse logo com o que tinha pra degustar.
Eu estava mesmo encantado era com aquelas pequenas latas vermelhas, com a figura de uma moça muito simpática e também muito curioso pra saber o que realmente tinha lá dentro. Pela reação de meu pai não era coisa muito boa não. Mas menino que era, preferi esperar e ficar quieto, que logo, logo apareceria alguém para abrir aquelas embalagens.
Os dias foram passando, vi meu pai vender o porco que ele estava engordando e informando ao comprador que eles fariam dali para frente um novo regime alimentar, que não usariam mais “banha de porco”, não era bom pra saúde. Ouvi o comprador dizer que aquilo era besteira, invenção de gente da cidade, que se fosse assim, na roça não haveria velhos. Mas meu pai, com sua humildade e simplicidade, limitou-se a sorrir, não entrando em maiores detalhes naquele assunto.
A notícia correu mundo. Veio gente de outras fazendas pra conhecer o tal “óleo de soja”. Parecia que aquelas pequenas embalagens de flandres sobre a mesa logo dominariam o mundo e todos indistintamente, teriam que mudar seus hábitos.
Meu avô, pai de meu pai, logo esturrou de lá e mandou dizer que ninguém iria mudar seu modo de fazer comida, afinal seu pai vivera até quase os cem anos e nunca colocara nada na boca que não fosse tirado da fazenda.
Meu pai ouvia aquelas críticas sereno, calado, limitando-se a emitir um sorriso simples, humilde, conciliador.
Chegara o grande dia. De longe, vi minha mãe pegar uma daquelas embalagens e colocar ao lado do fogão de lenha, fazer dois pequenos furos na parte de cima e começar a utilizá-la. Não notei nada de diferente no seu jeito de fazer comida. Cantarolando as costumeiras músicas, manteve o jeito apressado de sempre, olhando para o sol pra saber se estava ou não na hora certa, ouvindo as mesmas canções no rádio, tudo como antes.
Almoçamos naquele dia, jantamos e a comida deliciosa que minha mãe fazia não mudou de sabor. Meu pai comentou que teríamos que comprar mais óleo de soja na venda do Seu Raul, na cidade próxima, pois logo acabaria aquela remessa.
O que me deixou alegre e feliz mesmo foi quando meu Tio Marcelino pegou uma daquelas latas quadradas já vazias, um pedaço de madeira, alguns arames, pregos e um velho chinelo achado no monturo e transformou em um belo e encantador caminhãozinho e deu-me de presente.
Passados tantos anos, a soja é uma realidade importante e para o progresso e desenvolvimento do Brasil. Não se resume apenas a fornecer óleo para a alimentação, é um importante produto econômico, uma das muitas commodities que o País exporta.
A tecnologia e diversões eletrônicas trouxeram um mundo infinito de opções de brinquedos. Mas para mim, nunca encontrarei algo que se compare aquele maravilhoso carrinho de lata que meu tio me presenteou. Durante tanto tempo eu o puxei, viajando pelas pequenas estradas de meu mundo de criança. O carrinho de lata, singelo, pequenino até hoje está em meu coração, entranhado em minha saudade.

sábado, 17 de setembro de 2011

AINDA SOBRE SABIÁS... E CANÇÕES!


Os primeiros raios de luz da manhã chegam e trazem consigo com o canto maravilhoso e plangente do Sabiá laranjeira que, nos últimos dias tem me brindado com sua presença, no alto da goiabeira, da mexerica-fuxiqueira, do pé-de-manga, por sinal carregado e com galhos vergados sob o peso dos frutos, ou simplesmente sobre a cerca da pequena horta, em meu quintal.
                Pouco depois, chegam as Rolinhas da terra e Fogo-apagou, os barulhentos e alegres Pardais que, acompanhados de Bem-te-vis e Joões-de-barro dão inicio a magnífico concerto matinal. Por algumas horas reinam absolutos no alto das árvores, não obstante o barulho dos veículos que trafegam na movimentada avenida que passa pertinho de minha casa, que insistem em vão em sobrepor à movimentada e animada orquestra de pássaros.
                Hoje notei algo diferente. Os passarinhos estavam bem mais irrequietos, voando de um galho para outro, num frenesi sem precedentes. Olhando fixamente no horizonte, na barra do nascente, percebi que apesar da claridade do dia, o sol demoraria um pouco mais a chegar. Ou talvez nem viesse.
                Uma leve brisa acariciou meu rosto trazendo a sensação de bem estar e até de felicidade. Olhando para o céu, percebi um mormaço e sinais que poderiam cair algumas gotas de chuva.
                Observei na goiabeira que os frutos temporões praticamente acabaram. Poucos se podiam ainda ver no lugar mais alto, já com parte comida pelos pássaros que sempre estão ali. Mas o que me chamou a atenção foi o grande numero de folhas novas e de flores, que em breve se tornarão fruto. Prenúncio de farta e generosa safra de goiabas, das vermelhas, doces e deliciosas, que está por vir.
                A alegria dos pássaros e as folhas novas e flores da goiabeira me trazem uma certeza: a primavera está por chegar. E primavera na minha Goiânia querida é sinal de beleza, de colorido, de muitas flores, canto de pássaros e muitos frutos.
                A chuva ensaia seus primeiros momentos. Apesar da informação da meteorologia de que ainda pode demorar, a mãe natureza sábia que é,  percebendo  a sequidão de Goiânia e a necessidade urgente de mais umidade, mandou esses pingos d’água pequeninos qual orvalho da manhã, mas de grande importância. Que venha aos poucos, mas venha logo, irmã chuva.
                Do meu quintal, avisto a grande mata do Faiçalville, com seus jatobás imponentes, majestosos, exercendo sobre as outras arvores da reserva seu reinado.
Acalento um sonho. Sonho de um dia poder reunir amigos, crianças, vizinhos e gente da minha cidade em torno de um concerto. Concerto de Primavera ou talvez, Canto da Primavera, como já existe em outro lugar. Imagino em meu sonho uma tarde, quase noite, a presença de artistas da minha região, cantores mirins e quem sabe, também a Orquestra Sinfônica de Goiânia, oferecendo um belo espetáculo em saudação à beleza do lugar e à dádiva da renovação da vida e da natureza, que todo ano começa com a chegada da primavera.
Por enquanto apenas sonho. Mas que pode se tornar realidade um dia. Depende da luta de minha gente, depende somente de nós!
Enquanto meu sonho não se torna realidade, vou me deliciando com o particular concerto matinal dos pássaros do meu quintal. Privilégio que tenho todos os dias, nesse quase início de primavera.

Goiânia, 14 de setembro de 2011.
Paulo Jose Américo Rolim

AGORA NO BLOGSPOT O "CRÔNICA E SERESTA"

Prezados amigos leitores:

Não obstante as tentativas frustradas de importar o conteúdo do blog que mantenho no Terra com esse mesmo título,  a partir de hoje iniciarei a publicação nos dois endereços.
É sabido que o Blogspot oferece melhor plataforma tecnológica, maior facilidade e diversidade de recursos para que se possa fazer um blog visualmente à altura dos amigos leitores.
Continuarei publicando no endereço do Terra, em respeito aos amigos que acessam por lá!

Um abraço fraterno a todos.

Ótimo sábado

Paulo Rolim
Editor do "Crônica e Seresta"