sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

PROFESSOR: ENTRE SER OU NÃO SER

Pouco ou quase nada entendi quando trouxeram no Jipe do Zé Tucano aquele pacote retangular, meio esquisito, coberto por papel colorido. Ainda veio junto outra caixa pequena, cujo conteúdo eram cilindros compridos, brancos e verdes, que depois fui saber chamarem-se giz. O pacote era um quadro negro.
    Depois disso foi um alvoroço na casa simples da Fazenda Nova América. Alguns dias antes eu ouvi em algumas conversas dos adultos que em breve funcionaria ali uma escola. Como era muito pequeno, tinha pouca noção sobre o que seria. E me perguntava o que teria a ver a Fazenda com escola.
    Nos dois dias seguintes, papai deu uma caprichada na sala. Passou cal nas paredes, instalou uma cantoneira, onde colocaram um filtro de barro grande e acrescentou ao mobiliário rústico mais alguns bancos. Estava montada a escola rural santa Genoveva.
    Aos poucos fui sabendo como aquela sala simples, de paredes de taipa caiadas de branco nasceu. Meu pai, lavrador humilde e de coração bom não aceitava ver um grande número de jovens, filhos dos agregados e vizinhos, sem estudar, sequer sabiam ler e contar. Num ato de generosidade foi até a pequena Araguaçu e tentou convencer o prefeito e seus secretários da viabilidade do funcionamento de uma escola rural.
No começo, o chamaram de visionário, sonhador, mas aos poucos foram se interessando e devido à insistência de meu pai concordaram finalmente. Acertaram que papai cederia instalações, daria as aulas e em troca, um pequeno e mirrado salário – tal como hoje - que nem teria certeza de receber ao fim do mês.
    Com alegria, em uma tarde quente de segunda-feira meu pai viu chegarem para estudar os primeiros alunos. No inicio, indisciplinados, barulhentos. Riam do meu pai quando ele marcava o compasso para que todos cantassem o hino nacional, mas aos poucos, com jeito, a maioria viu que estudar era algo bom, algo interessante e de muito valor para a vida.
    Vi meu pai ficar apreensivo e chateado quando em uma manhã estiveram na fazenda alguns homens de sotaque esquisito, alguns fardados. Foram até a roça onde meu pai trabalhava e de forma ríspida e mal educada indagaram o que ele queria com aquela escola rural. Ouvi mandarem que parasse com aquilo, pois era coisa de subversivo. Meu pai humildemente explicou seu objetivo, mas não os convenceu. Por dois dias não houve aulas, mas como os alunos vinham todos os dias, meu pai passou a ministrar as aulas normalmente. Recebeu outra visita, desta vez com soldados armados de fuzis, mas não parou. E a vida seguiu assim por muito tempo. E a Escola Santa Genoveva continuou ensinando aos jovens.
    Hoje, decorridos mais de quarenta anos de quando foi dada aquela primeira aula na humilde e tosca sala da Fazenda Nova America, vejo a indignação e a tristeza no semblante dos professores do meu Estado.
Lembro que além de filho, sou irmão, esposo e pai de Professores. Professores que se prepararam e lutaram muito para adquirir o conhecimento e a capacidade de um dia, por mérito em um concurso, estar diante de uma sala apinhada de jovens, que como os da Fazenda Nova América, buscam aprender algo na vida.
    Como meu pai se decepcionou diante das ameaças dos militares que o acusavam injustamente de subversivo e agitador vejo com tristeza a decepção dos professores também ameaçados, não obstante a retirada por parte do governo de benefícios existentes há anos, apenas para justificar a massificada divulgação na mídia que Goiás cumpre certa lei do piso. Decepção e vergonha. Sem contar o deboche e o desrespeito de certo deputado na Assembléia Legislativa de Goiás.
    Sequer tenho muito ânimo para comemorar que minha filha hoje, aos 25 anos, com o titulo de Mestre pela UFG e muito em breve de Doutora, foi convocada, após ter sido aprovada em concurso, para Professora da Universidade Estadual de Goiás. Será que devo mesmo comemorar?
    Os Professores de minha vida e da minha família têm o meu respeito, o meu carinho e minha admiração. Diante de tudo o que ocorre na educação hoje, tenho certeza que os jovens antes de se decidirem pela carreira de professor, certamente perguntar-se-ão: ser ou não ser professor? O tempo dirá.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

CARNAVAL... DA INFÂNCIA E DE HOJE

A primeira vez que fui a uma matinê de carnaval – digo matinê, pois tinha perto de cinco anos de idade – foi na querida e saudosa São Miguel de minha infância. Foi de forma um tanto quanto casual.
    À época, morávamos ainda na Fazenda Nova América e meus pais foram visitar meus Tios Cazuza e Justina que moravam a algum tempo na cidade. Tia Justina desdobrava-se cuidando da casa e dos filhos e o Tio Cazuza tinha um pequeno curtume e uma artesanal fabrica de calçados.
    O pequeno curtume do Tio Cazuza era um mundo à parte. Era interessante ver como funcionava, desde quando chegava o couro “verde” diretamente do açougue, até a fase final, quando ficavam por algum tempo estirados ao sol, para que ficassem secos. Secavam, mas mantinham-se macios, resultado do excelente tratamento que recebiam.
Não havia nenhum, produto químico industrializado, mas única e exclusivamente cascas de diversas espécies de madeira. Cobriam totalmente as peças de couro, que ficavam dentro de uma espécie de tanque, imersas em água. Diariamente movimentavam-nas e mudavam de tanque, para que houvesse o contraste entre os efeitos das diversas cascas que faziam com que o couro se tornasse maleável o necessário para a confecção de diversas peças de calçado.
    Quando prontos se transformavam pelas mãos hábeis e pacientes do Tio Cazuza em belos calçados, masculinos ou femininos, que fabricava desde botas grandes e utilizadas por boiadeiros até o mais suave e delicado par de sandálias femininas. Os itens mais vendidos eram as botinas rangedeiras e as alpercatas, muito utilizadas pelos nordestinos que viviam na região.
    Voltando ao carnaval, nessa visita de meus pais coincidiu com a data festiva e minha irmã Francisca não quis perder a oportunidade. Havia uma matinê em um clube social quase ao lado. Vestido com estava de repente me vi “maquiado” por suas mãos delicadas, com um imenso bigode e uma barba quase rala, a pontear pelo meu queixo de menino.
    Confesso que adorei a tal matinê. Era um mundo diferente, de sons e cores, com uma banda alegre que tocava efusivamente marchinhas e sambas daquela época. Saí dali maravilhado e esperando que logo tivesse outra oportunidade como aquela.
    Essa tarde nunca saiu de minha memória, de minhas reminiscências. Vez por outra ao ouvir certas canções, volto àquele tempo. Tempo tão bom da infância.
    Hoje quando chega o carnaval, busco me refugiar em lugares mais bucólicos e calmos, como a Fazenda do Tio João. Vou em busca de sossego, canto de pássaros, céu estrelado e madrugadas acolhedoras.
    Mais tarde, fazer doces na quase centenária fornalha. Doces de goiaba, de leite com pau de mamão, ou simplesmente, reunir mais alguns amigos e em alegre e ruidoso mutirão, fazer aquela pamonhada.
    A Fazenda do tio João me espera. Com sua costumeira alegria e hospitalidade. Será bom rever aquele lugar. Onde meu coração se fortifica e viaja aos alegres momentos da infância querida.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A ALEGRIA DO REENCONTRO

O ano de fato recomeça hoje. Como é bom estar de volta a este espaço, a partir do altar da comunicação poder freqüentar os lares de pessoas tão queridas, dos diletos amigos e amigas que toda sexta-feira, religiosamente, se colocam ao pé no rádio, na expectativa de ouvir estas simples palavras e as maravilhosas canções que aqui desfilam.
    Confesso que senti uma falta danada da responsabilidade de escrever toda semana uma crônica inédita. Parece faltar algo muito importante, como se fosse parte de mim a obrigação de enviar a tempo hábil o texto para a rádio.
    O ano começou mesmo agora. Depois de uma temporada de muitas chuvas, o tempo agora parece que se aquietou e as chuvas agora são mais espaçadas, embora venham fortes, quase sempre no fim da tarde, as famosas chuvas de verão. Mas também, vez por outra, chegam na madrugadinha, deixando-nos ouvir o leve barulho sobre o telhado, suave cantiga a embalar o sono.
    Saio de casa ainda escuro, privilégio do horário de verão que teima em não acabar. Falar de trânsito caótico seria redundante, isso já ficou algo normal. O que antes era apenas na hora do rush é hoje durante todo o dia.
    Depois de um dia inteiro de trabalho e correria, hora de voltar pra casa. Encontro, com o sol ainda a pino meu quintal coalhado de canto de pássaros e de verde, verde que ajudado pelas chuvas se intensificou, quebrado apenas pelo amarelo das imensas e doces goiabas que rotineiramente caem no chão. Quase sempre com metade já servida aos pássaros que vêm da mata vizinha para matar sua fome.
    Falar em pássaros, todo fim de tarde um monã de alegres e barulhentas maritacas e periquitos visitam o pé de goiaba. Algumas vezes também aparecem as elegantes e fidalgas araras azuis. Sem nenhuma cerimônia Fazem a última refeição do dia antes de se recolherem. Dá gosto ver e ouvir a arruaça que promovem. Espertas que a qualquer barulho se assustam e de imediato, aos bandos, fogem, com intenso alarido. Como é interessante o meu Faiçalville querido. Apesar de ser um bairro onde há tráfego intenso, alguns prédios, que parecem caixotes de concreto e ruas asfaltadas, ainda encontramos em um quintal um bando de alegres e pássaros que ao cair da tarde, parecem dizer que não se renderão ao concreto, ao barulho ou ao que possa vir da civilização e da modernidade. Parecem afirmar: resistiremos.
    Logo chega a noite e, ao invés da obrigatória e massacrante televisão, busco a companhia do rádio, do velho e querido Philco Transglobe. Busco em outros continentes transmissões em português, a visão de nosso querido Brasil por outros povos, outras culturas.
    Tudo isso não teria sentido se não nos encontrássemos aqui, nesse espaço todas as semanas. Que o ano que para nós começa hoje seja de muitos encontros, poesia e visitas à infância e aos recônditos da alma e do coração. Que possamos, como sempre, estar juntos nessas viagens de nostalgia e saudade.