As noticias que minha mãe trouxera ao chegar da cidade grande não agradaram meu pai. Durante uma semana pude observar sobre a mesa da sala umas latinhas de cores alegres com letras grandes. A coisa começou também a sobrar pra mim. Logo cedo, ao Levantar e esperar que a deliciosa carne de porco armazenada na lata, esquentada e adicionada de farinha viesse, fui logo avisado que aquela “mordomia” teria vida curta. Meio que indignado e curioso, mas absorvido em meu prato, nem liguei muito. Preferi não perder tempo, afinal, se era pra acabar, que eu me deliciasse logo com o que tinha pra degustar.
Eu estava mesmo encantado era com aquelas pequenas latas vermelhas, com a figura de uma moça muito simpática e também muito curioso pra saber o que realmente tinha lá dentro. Pela reação de meu pai não era coisa muito boa não. Mas menino que era, preferi esperar e ficar quieto, que logo, logo apareceria alguém para abrir aquelas embalagens.
Os dias foram passando, vi meu pai vender o porco que ele estava engordando e informando ao comprador que eles fariam dali para frente um novo regime alimentar, que não usariam mais “banha de porco”, não era bom pra saúde. Ouvi o comprador dizer que aquilo era besteira, invenção de gente da cidade, que se fosse assim, na roça não haveria velhos. Mas meu pai, com sua humildade e simplicidade, limitou-se a sorrir, não entrando em maiores detalhes naquele assunto.
A notícia correu mundo. Veio gente de outras fazendas pra conhecer o tal “óleo de soja”. Parecia que aquelas pequenas embalagens de flandres sobre a mesa logo dominariam o mundo e todos indistintamente, teriam que mudar seus hábitos.
Meu avô, pai de meu pai, logo esturrou de lá e mandou dizer que ninguém iria mudar seu modo de fazer comida, afinal seu pai vivera até quase os cem anos e nunca colocara nada na boca que não fosse tirado da fazenda.
Meu pai ouvia aquelas críticas sereno, calado, limitando-se a emitir um sorriso simples, humilde, conciliador.
Chegara o grande dia. De longe, vi minha mãe pegar uma daquelas embalagens e colocar ao lado do fogão de lenha, fazer dois pequenos furos na parte de cima e começar a utilizá-la. Não notei nada de diferente no seu jeito de fazer comida. Cantarolando as costumeiras músicas, manteve o jeito apressado de sempre, olhando para o sol pra saber se estava ou não na hora certa, ouvindo as mesmas canções no rádio, tudo como antes.
Almoçamos naquele dia, jantamos e a comida deliciosa que minha mãe fazia não mudou de sabor. Meu pai comentou que teríamos que comprar mais óleo de soja na venda do Seu Raul, na cidade próxima, pois logo acabaria aquela remessa.
O que me deixou alegre e feliz mesmo foi quando meu Tio Marcelino pegou uma daquelas latas quadradas já vazias, um pedaço de madeira, alguns arames, pregos e um velho chinelo achado no monturo e transformou em um belo e encantador caminhãozinho e deu-me de presente.
Passados tantos anos, a soja é uma realidade importante e para o progresso e desenvolvimento do Brasil. Não se resume apenas a fornecer óleo para a alimentação, é um importante produto econômico, uma das muitas commodities que o País exporta.
A tecnologia e diversões eletrônicas trouxeram um mundo infinito de opções de brinquedos. Mas para mim, nunca encontrarei algo que se compare aquele maravilhoso carrinho de lata que meu tio me presenteou. Durante tanto tempo eu o puxei, viajando pelas pequenas estradas de meu mundo de criança. O carrinho de lata, singelo, pequenino até hoje está em meu coração, entranhado em minha saudade.
Sensibilidade à flor da pele!
ResponderExcluirQuanta gente boa já se esqueceu de seus "carrinhos de lata"...
Parabéns!
Beleza de história, Paulo.
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