sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

UM JOGO PERIGOSO E INSENSATO






A Operação Lava Jato, desencadeada pela Policia Federal há alguns anos desnudou práticas que incluíam e sacramentavam a corrupção de agentes públicos e privados, levando ao conhecimento do cidadão um lamaçal que há décadas cobre o país, e de maneira ainda mais grave, tornando isso como “normal” e “parte do jogo”, no entender da maioria dos políticos.
Com as armas - ou a legislação - que dispunham, a Policia Federal, o Ministério Público Federal e Procuradoria da República promoveram verdadeira devassa em partidos políticos e líderes dessas agremiações, além de empresas que, para obter préstimos e benesses dos governantes, dividiam o quinhão, municiando com polpudos e generosos valores, oriundos claro, do pântano fétido da corrupção. Organizações políticas e suas cúpulas se tornaram, à luz da Policia Federal, do MPF e confirmado em todas as instâncias da justiça, organizações criminosas, cujo único fim era o de se manter no poder e se locupletarem indefinidamente.
A reação do povo brasileiro, com claras mostras de indignação e repulsa a essas práticas criminosas veio nas urnas, parcialmente. Afirmo parcialmente, pois elegeu um presidente da república que se apresentou com um discurso simples, de moralidade e cuidado com a coisa pública. Mas por outro lado, ainda elegeu para os parlamentos, apesar de uma certa renovação, políticos da velha guarda, ou da velha política, que ainda cultivam os hábitos nada republicanos “do toma-lá, dá cá”, ou “do é dando que se recebe”.
E prevaleceu o fato que toda ação gera uma reação. Os membros das organizações criminosas apesar do susto inicial e do baque que sofreram, procuraram se organizar, o que conseguiram rapidamente. E onde foi o local que mais se percebeu essa reação? No congresso nacional. Aquela que em tese deveria ser a “casa do povo”, estraçalhou e inverteu  projetos como “As dez medidas contra a corrupção”, aprovou leis, como a famigerada "lei do abuso de autoridade" que dificultam, constrangem e tentam engessar os atos de instituições constitucionalmente sólidas como o judiciário, o MP e as polícias, além de práticas condenáveis como uso irrestrito de jatinhos da FAB por parlamentares, procrastinação e engavetamento da votação e aprovação do projeto que prevê o fim do foro privilegiado para políticos e outros atos absurdos e que dificultam o combate à corrupção e beneficiam o crime organizado.
Em outro vértice da Praça dos Três Poderes, os atos e decisões do STF, que em tese deveria ser o guardião da constituição e não legislador, chocam a opinião pública e trazem total descrédito ao tribunal. Inquéritos ditos ilegais, decisões monocráticas que favorecem criminosos contumazes de colarinho branco, expedientes onde certo ministro diz que um cidadão, servidor público, não deve se dirigir a ele diretamente nivelam por baixo e tornam a suprema corte brasileira igual ou pior que o congresso nacional. Suprema corte que têm servidores para carregar guarda-chuvas abertos para as excelências, que exigem para seu prazer gastronômico lagostas e vinhos de safras especiais. Esquecem que são servidores públicos e o régio e amplo luxo que têm é pago com dinheiro do contribuinte.
Já no caso do Presidente da República, pouco ou nada afeito ao que se denomina “liturgia do cargo”, o estado é de beligerância constante, seja contra veículos de comunicação e seus servidores, jornalistas independentes, ou mesmo instituições que de uma maneira ou de outra, colaboram para o bem do país e do mundo. É fato que certas ONG’s precisam ser acompanhadas e até investigadas em sua atuação, pois ultrapassaram em muito suas atribuições e desrespeitam a soberania do país, embora não se deva generalizar.
Ainda sobre a presidência, a beligerância segue sua trilha através de atos, palavras e publicações em redes sociais dos filhos do presidente. Quem discorda ou não comunga do mesmo pensamento da trupe governista, é execrado publicamente – independente se é jornalista, parlamentar, membro do MP ou do judiciário ou mesmo um cidadão comum no uso de sua liberdade de expressão.
Por fim, um dos últimos absurdos do presidente Jair Bolsonaro foi no episódio da morte do miliciano e ex-militar Adriano da Nóbrega, foragido da justiça e procurado pela polícia, que através de suas declarações contra a ação da polícia da Bahia, fez o caso parar no âmbito da presidência da república. Totalmente descabida e fora dos padrões, a atitude foi considerada desnecessária e sem precedentes.
Outro fato que chama a atenção e preocupa é o presidente afirmar que, em reunião com entidades empresariais no estado de São Paulo – com cujo governador vive às turras – irá solicitar às empresas que fazem partes dessas associações não anunciem ou destinem verbas publicitárias a veículos de comunicação teoricamente “não simpáticos” ao governo federal. Esquece sua excelência que hoje, ele não governa e representa apenas os 57 milhões de eleitores que o elegeram, mas os mais de duzentos milhões de brasileiros. E em tempos bicudos, de alto desemprego, PIB mínimo e dificuldades imensas, se uma empresa anuncia é porque precisa melhorar suas vendas, e escolhe o veículo conforme orientação de uma agência e de seu departamento de marketing – não de políticos do momento.
O fato é que hoje, temos um congresso nacional e uma suprema corte fracos e desacreditados pela população brasileira e o instituto da presidência segue no mesmo caminho. Estão cada vez mais iguais e imersos no mesmo lamaçal, em um jogo perigoso e insensato, fomentado pelo presidente da república e seus apoiadores.
Sore as manifestações convocadas para o dia 15 de março, creio que haverá até muita gente nas ruas, mas limitado aos apoiadores do presidente. O cidadão de bem, que foi o fiel da balança que levou Jair Bolsonaro à vitória nas urnas em 2018, se manterá seguro, distante e quieto em casa, esperando que os poderes da república tomem juízo e ajam com parcimônia, competência, em defesa do interesse público e que busquem o fim da corrupção e o bem da nação.
Utópico isso? Entendo que sim. Mas, não resta outra alternativa.
Os poderes da república estão cada vez mais se apequenando e perdidos, longe da vocação para a qual foram criados.
Ainda assim, espera-se que o Brasil sempre seja maior que políticos e autoridades de ocasião.