Imerso em brincadeiras solitárias, sob a
frondosa mangueira dos fundos da casa, demorei a perceber o ir e vir de meus
pais, alterando a calma e o sossego das tardes da Fazenda Nova América. Minha
mãe separava frangos no quintal, colocando água para esquentar no fogão e meu
pai, que chegou mais cedo da roça, pôs-se a juntar lenha em frente à casa, preparando
o que seria uma imensa fogueira.
Soube que receberíamos visita de vizinhos
que, de vez em quando apareciam lá em casa. Era uma família numerosa, que
morava um pouco distante, e que prezava sempre o bom relacionamento e a amizade.
Sempre que nos visitavam, era muita gente, vinham
praticamente todos da família. De crianças de colo aos mais velhos - inclusive a
velha Cândida, matriarca da família, que tinha fama de bruxa e faladeira, e semeava
medo entre as crianças – a mim inclusive.
Papai dava os últimos retoques, limpando o
terreiro e ajeitando bancos rústicos de madeira para que todos pudessem sentar.
Mamãe, que contava com a ajuda de sua comadre Sebastiana, comandava a cozinha.
Era muito trabalho, mas as duas davam conta do recado.
O cardápio
tinha como prato principal frango caipira ao molho de açafrão com quiabo.
Abobrinha verde para acompanhar e o tradicional arroz com feijão. Depois, para
alegria da meninada, doce de leite em cubinhos e rapadura, feitos ali mesmo na
fazenda.
Anoiteceu e junto com a lua majestosa e
cheia, vieram os visitantes. Foi uma alegria. Papai reuniu os homens na sala
para uma animada conversa e as mulheres se concentraram na cozinha, para os
últimos retoques para o jantar. A animação cresceu, e de longe podia-se ouvir
as gargalhadas e falatório alto das mulheres. E, ao fundo, o som do velho rádio
ABC – A voz de ouro, que trazia canções sertanejas da época.
Eu acompanhei os meninos em brincadeiras de
pique-esconde, salve-latinha e rouba-bandeira no amplo terreiro. As meninas,
mais contidas e lideradas pela minha irmã, se dedicavam a cantorias animadas,
onde batiam palmas umas com as outras. Lembro-me de um refrão que dizia assim:
“te trouxe flores brancas, flores brancas, pra casar...”.
Logo após o jantar reunimo-nos em volta da
fogueira. O frio de junho tornava o lugar acolhedor. Aquele calor nos deu
abrigo. Era chegada a hora de ouvir poemas, canções ao violão e histórias,
assando batata doce e carne seca nas brasas de um vermelho vivo e instigante.
A velha Cândida sentou-se em uma cadeira
grande e cercada de gente, com os meninos distantes, começou a desfiar suas
histórias, ainda que muitas fantasiosas e de assombração. Contou lendas aterrorizantes, como a do
lobisomem e Mula-sem-cabeça. Aquilo ia enchendo as crianças de medo. Ao fim de
cada uma, ela dava uma pequena lição de moral, onde afirmava que quem não fosse
obediente e educado, teria o mesmo destino dos personagens de suas histórias.
Meu pai trouxe com o violão e pôs-se a
dedilhar acordes. Deixei-me levar e enlevar por aquele som maravilhoso. Os dobrados
e valsas saudavam o brilho do luar e, de vez em quando, eram interrompidos pelo
crepitar do fogo, com a lenha em seus estertores e últimos movimentos, antes
que virassem cinza.
Mamãe começou a declamar poemas. Sabia de
cor e salteado os versos do Pavão Misterioso: “eu vou contar uma história de um
pavão misterioso, que levantou voo na Grécia com um rapaz corajoso...”.
Todos ficaram calados, prestando atenção na
bela historia, de versos com rimas perfeitas e interessantes.
As horas se passaram rapidamente. Entre a
chegada e a saída daqueles bons vizinhos, foi muita diversão e alegria. Até
hoje ainda me lembro das historias de assombração que a velha Cândida contava.
E com saudade das brincadeiras de criança, dos acordes ao violão de meu pai,
dos poemas declamados por minha mãe, em noite enluarada. Ao lado de uma viva e encantadora
fogueira.