segunda-feira, 28 de abril de 2014

FOGUEIRA, CANÇÕES, POEMAS...





Imerso em brincadeiras solitárias, sob a frondosa mangueira dos fundos da casa, demorei a perceber o ir e vir de meus pais, alterando a calma e o sossego das tardes da Fazenda Nova América. Minha mãe separava frangos no quintal, colocando água para esquentar no fogão e meu pai, que chegou mais cedo da roça, pôs-se a juntar lenha em frente à casa, preparando o que seria uma imensa fogueira.
Soube que receberíamos visita de vizinhos que, de vez em quando apareciam lá em casa. Era uma família numerosa, que morava um pouco distante, e que prezava sempre o bom relacionamento e a amizade.
Sempre que nos visitavam, era muita gente, vinham praticamente todos da família. De crianças de colo aos mais velhos - inclusive a velha Cândida, matriarca da família, que tinha fama de bruxa e faladeira, e semeava medo entre as crianças – a mim inclusive.
Papai dava os últimos retoques, limpando o terreiro e ajeitando bancos rústicos de madeira para que todos pudessem sentar. Mamãe, que contava com a ajuda de sua comadre Sebastiana, comandava a cozinha. Era muito trabalho, mas as duas davam conta do recado.
 O cardápio tinha como prato principal frango caipira ao molho de açafrão com quiabo. Abobrinha verde para acompanhar e o tradicional arroz com feijão. Depois, para alegria da meninada, doce de leite em cubinhos e rapadura, feitos ali mesmo na fazenda.
Anoiteceu e junto com a lua majestosa e cheia, vieram os visitantes. Foi uma alegria. Papai reuniu os homens na sala para uma animada conversa e as mulheres se concentraram na cozinha, para os últimos retoques para o jantar. A animação cresceu, e de longe podia-se ouvir as gargalhadas e falatório alto das mulheres. E, ao fundo, o som do velho rádio ABC – A voz de ouro, que trazia canções sertanejas da época.
Eu acompanhei os meninos em brincadeiras de pique-esconde, salve-latinha e rouba-bandeira no amplo terreiro. As meninas, mais contidas e lideradas pela minha irmã, se dedicavam a cantorias animadas, onde batiam palmas umas com as outras. Lembro-me de um refrão que dizia assim: “te trouxe flores brancas, flores brancas, pra casar...”.
Logo após o jantar reunimo-nos em volta da fogueira. O frio de junho tornava o lugar acolhedor. Aquele calor nos deu abrigo. Era chegada a hora de ouvir poemas, canções ao violão e histórias, assando batata doce e carne seca nas brasas de um vermelho vivo e instigante.
A velha Cândida sentou-se em uma cadeira grande e cercada de gente, com os meninos distantes, começou a desfiar suas histórias, ainda que muitas fantasiosas e de assombração.  Contou lendas aterrorizantes, como a do lobisomem e Mula-sem-cabeça. Aquilo ia enchendo as crianças de medo. Ao fim de cada uma, ela dava uma pequena lição de moral, onde afirmava que quem não fosse obediente e educado, teria o mesmo destino dos personagens de suas histórias.
Meu pai trouxe com o violão e pôs-se a dedilhar acordes. Deixei-me levar e enlevar por aquele som maravilhoso. Os dobrados e valsas saudavam o brilho do luar e, de vez em quando, eram interrompidos pelo crepitar do fogo, com a lenha em seus estertores e últimos movimentos, antes que virassem cinza.
Mamãe começou a declamar poemas. Sabia de cor e salteado os versos do Pavão Misterioso: “eu vou contar uma história de um pavão misterioso, que levantou voo na Grécia com um rapaz corajoso...”.
Todos ficaram calados, prestando atenção na bela historia, de versos com rimas perfeitas e interessantes.
As horas se passaram rapidamente. Entre a chegada e a saída daqueles bons vizinhos, foi muita diversão e alegria. Até hoje ainda me lembro das historias de assombração que a velha Cândida contava. E com saudade das brincadeiras de criança, dos acordes ao violão de meu pai, dos poemas declamados por minha mãe, em noite enluarada. Ao lado de uma viva e encantadora fogueira.






Um comentário:

  1. Uma infância como essa só pode dar bons frutos...coração e alma, encanto e beleza, numa simplicidade que nos faz pensar em contos de fadas, ainda que fadas à brasileira...

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