domingo, 1 de novembro de 2015

A LEVEZA DO VIVER





Ao abrir a porta e caminhar em direção ao quintal, nos primeiros momentos da manhã, que ainda trazia vestígios da madrugada, de imediato senti o cheiro de terra molhada, de terra visitada e acariciada pela chuva da véspera.
As últimas e teimosas estrelas insistiam em permanecer no céu e os pássaros alegres e ruidosos abriam o concerto matinal com alegre sinfonia. Executavam sutil balé, em seu ir e vir de árvore em árvore. No chão, a leveza de claras e límpidas gotas de orvalho espalhadas sobre a relva que, após as primeiras chuvas, brotaram verdes e viçosas. O aroma de terra molhada permanecia. À medida que o sol aumentava sua presença com dourados e imponentes raios, o dia ficava mais bonito e encantador.
A chuva da véspera fora forte, acompanhada de ventos intensos e velozes. Os trovões e o clarão dos raios que riscavam o céu incessantemente me levaram à infância, me levaram ao medo que eu tinha quando, pelas frestas do telhado da pequena casa da fazenda acompanhava sua trajetória irregular.
Quietinho, deitado sob as cobertas e parte da cabeça coberta, deixava apenas os olhos, que, assustados se negavam a deixar de acompanhar a tempestade.
Em minha inocência de criança, ficava a imaginar qual seria o destino deles, para onde iam aqueles raios, tão rápidos, que sempre “andavam” à frente dos potentes e assustadores trovões. Para onde e porque sempre havia um barulho daqueles a persegui-los? Eram belos, mas traziam medo. Mas fascinava minha imaginação de criança.
Assim, a noite ia, a tempestade passava e eu adormecia. Ao levantar, antes mesmo de tomar o café da manhã, eu corria a ver o que a chuva deixara. Fitava os caminhos interessantes, desenhos feitos na areia, pela água que corria e deixava suas marcas. De longe, via que o ribeirão que servia a casa, onde eu e meu pai tomávamos banho ao entardecer, estava com suas águas caudalosas e turvas. Olhava no horizonte e percebia um sol tímido chegar.
Como na manhã de minha infância, eu também olhei, apesar do pequeno espaço do quintal, que a enxurrada deixara seus rastros. Faltou o pequeno ribeirão. Um alto muro impedia a visão de horizonte. Restara-me o caminho feito pelas águas e o canto dos pássaros, com o cheiro de terra que ali estava.
Sentindo as caricias da cadela Doth, que viera me saudar com sua alegria costumeira, me pus  a refletir. Refletir que a vida passa, o tempo passa, mas mantemos sempre no coração as coisas simples belas que tanto amamos e gostamos. Vão desde a lembrança do sorriso franco de criança pequena, do canto de pássaros a uma manhã com cheiro de terra molhada.
E o brilho do sol daquela manhã encheu de paz meu coração. Fui para a batalha diária da vida com a alma leve. E leve, como deve ser a vida. Cheia de paz e com esperanças renovadas a cada manhã. Até mesmo, em uma manhã como aquela, depois da tempestade.



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