sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

DE OLHAR AO REDOR






A advogada Luciana estranhou que Leda, uma jovem senhora que prestava serviços como diarista em sua residência, nunca conseguia conferir direito o dinheiro, quando ia receber pelo serviço. Ela notou isso desde a primeira vez, mas para não constrangê-la, evitou comentar o assunto.
Até que um dia, em momento de conversa amena das duas, Leda disse que seu grande sonho seria aprender a ler, escrever e contar. Luciana teve então a certeza que sua suposição se confirmara. E refletiu: como é triste ver que em pleno século 21, quando a alta tecnologia domina o mundo, Leda, diarista, pessoa honesta e trabalhadora, casada e mãe de dois filhos, não sabe ler, escrever e contar.
Luciana ficou pensativa e resolveu agir: sem dizer nada, montou um pequeno kit com caderno, lápis, borracha, caderno de caligrafia e resolveu, de forma educada e natural, perguntar se Leda queria concretizar seu tão almejado sonho.  Percebeu os olhos miúdos dela encherem de lágrimas, mas ela disse que não teria tempo, e que aquilo seria algo impossível para ela.
Luciana insistiu e não foi difícil convencê-la a tirar alguns momentos nos dois dias em que ela fazia o serviço em sua casa. Só pediu a ela que, por enquanto, não dissesse nada a ninguém, nem mesmo a seus familiares. Leda respondeu que um dia tentou aprender, mas o esposo achava uma bobagem que ela aprendesse a ler, a final, tinha que cuidar da casa e da família. Era um bom homem, muito trabalhador, mas tinha esse pensamento retrógrado.
Passaram-se três meses, e ainda que no início tivesse alguma dificuldade, aos poucos o mundo das letras e dos números foram se abrindo para Leda, que passou e entender o significado daqueles símbolos – no inicio algo tão difícil – que  agora,  aos poucos se tornavam algo cotidiano, como o é para milhares de pessoas. E ela até se anima a ler “poesias”, dizendo ficar encantada com os belos poemas que encontra nos livros dos filhos.
A atitude da advogada Luciana foi exemplar. Ela não fez nada mais que “olhar em redor” e perceber o mundo que a cercava. Não fosse sua sensibilidade e seu coração bom e generoso, Leda jamais teria tido contato com o mundo maravilhoso das letras, dos números e dos livros. Hoje, a diarista confere o dinheiro que é resultado de seu trabalho sem dificuldade e ainda se aventura por viajar em versos e poemas, tão necessários à alma.
É preciso sempre olhar ao que está ao redor de nós. Pode haver mundos e pessoas que tanto precisam da gente, às vezes de um pequeno start para serem felizes.
Como dar um sorriso, um bom dia ou dizer “como vai?”, algo tão singelo e fácil. Partilhemos aquilo que de bom existe em nosso coração e em nossas vidas.
Hoje, Leda acompanha as tarefas dos filhos e ainda ajuda o marido a entender um pouco as palavras. Ela se sente muito mais feliz, e em seu sorriso demonstra o quanto sua vida mudou para melhor. Antes era escuridão e hoje, tem noção das coisas do mundo. E sequer precisa mais perguntar às pessoas no ponto qual o numero do ônibus que vem.
Há sempre por perto muita gente precisando de nós. Desde algo maior, como recebeu a jovem Leda, ou algo simples e não menos importante, com um carinho, um abraço, um olhar fraterno. E assim, podemos compartilhar felicidade. Dividir alegrias e tornar o mundo muito, mas muito melhor!

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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

NAVEGAR, É PRECISO!




O homem magro, esquálido e com o dorso queimado pelo sol arrastou e empurrou pela areia da praia, em um esforço sobre-humano, a pequena embarcação. Com dificuldade conseguiu colocá-la na água, em direção às ondas do mar, que naquele momento não estavam muito calmas ou amigáveis. Era uma embarcação pequena, uma metade de jangada, com cerca de dois metros por um e meio, um quase quadrado, onde ele subiu e passou a empurra-la em direção ao mar amparado por uma imensa vara de bambu.
Parecia uma luta inglória. Eu mesmo cheguei apensar que ele não conseguiria sair dali, afinal, as ondas eram altas e constantes. Mas, aos poucos, com paciência e empurrando o bambu em direção ao fundo do mar, foi lenta e vagarosamente alcançando seu objetivo.
Ao me aproximar percebi que ele buscava alcançar uma rede lançada na água, a cerca de cem metros da praia. A pequena embarcação parecia não sair do lugar, e algumas ondas que quebravam antes da praia, o jogavam para trás. Mas nem assim, ele desistia. Aos poucos, com calma e manobrando o imenso bambu, que além de impulsionar a embarcação servia para que ele se equilibrasse.
Chegando ao local almejado, ele verificou as redes, e a intervalos, levantava e acenava positiva ou negativamente em direção á praia onde outro homem parecia dar apoio a ele.
Após esse trabalho, hora de voltar. O local, embora tivesse ondas fortes e constantes, não tinha grande profundidade, o que facilitava o manuseio do imenso bambu. E ele repetiu a operação, e lentamente foi chegando, chegando, até aportar na praia.
Fiquei reflexivo. Certamente aquele homem repetia aquela operação cotidianamente, em todas as manhãs e com o resultado da pesca, garante o sustento da família.
Para ele, navegar é preciso, mesmo enfrentando ondas fortes, insistentes e nervosas, que dessa forma tentam impedir o deslocamento da frágil embarcação.
Ele, persistentemente, conseguiu seu objetivo, chegou até as redes que horas antes colocara naquele pedaço de mar. Ante a imensidão ao oceano atlântico, aquela era sua hora e na manhã de beleza e sol brilhante - talvez ele pouco tenha tido tempo para perceber isso – importava que as redes estivessem abarrotadas de peixes.
No outro dia, logo bem cedo, fui ao mesmo local, e percebi ele novamente lá, desta feita, já manuseando e verificando as redes, como no dia anterior. Parecia uma cena de filme que se repetia.
Diante do azul do mar se confundindo como azul do céu deixei-me ficar ali, ouvindo o barulho das ondas que vez em quando vinham mais fortes e tocavam meus  pés. Ondas generosas, que embora possam não parecer, garantem a vida de muita gente.
 Navegar, é preciso... Viver é preciso! E a vida é uma grande viagem, onde navegamos sobre ondas fortes e por vezes, aparentemente insuperáveis, mas entre idas e vindas, saídas e chegadas, cumprimos nossas metas e alcançamos nossos sonhos.
Hoje me vejo com quase meio século de vida, por vezes, lutando contra ondas fortes e difíceis. Mas, como aquele homem da pequena embarcação, sigo em frente, na busca da rede farta e da volta à praia, ao continente, com certeza de missões cumpridas.
 Tenho muitos sonhos por realizar! O que me move e traz ânimo, são esses sonhos. Na minha inquietude, estou sempre em busca deles. Assim, navegar é preciso.