Na parede da sala de minha casa tem um pequeno quadro. Pequeno, humilde,
singelo, mas com uma paisagem e uma mensagem fantástica. Sua moldura, já
marcada pelo tempo, tem uma cor bege, meio de empoeirado, meio de muito tempo.
É uma pintura feita à mão, com três palmeiras em destaque à frente, uma
estradinha em perspectiva que vai até uma pequena casa de taipa, coberta de
palha, um lago do lado com um barquinho distante e um belo pôr-do-sol, com
nuances de amarelo vivo e vermelho-alaranjado. É uma palhoça simples, mas dá a
impressão de um lugar de pessoas felizes.
Traz o ano e as iniciais de quem pintou o pequeno quadro. O ano: 1972 e
as iniciais: I. C.G., de Irmã Cirene Garcia, uma religiosa salesiana, que morou
em Goiânia nessa época, em um colégio que fica na Praça do Cruzeiro, região sul
de Goiânia, chamado Instituto Maria Auxiliadora.
Em 1972 eu era ainda muito criança, tinha apenas seis anos. Goiânia
também era uma cidade adolescente e tranquila. Não havia a loucura dos enormes
engarrafamentos de hoje, tampouco o telefone era como hoje, inconveniente,
móvel, os chamados “celulares”.
Sobre a Praça do Cruzeiro, naquele tempo era um lugar encantador. A
imensa fonte luminosa, com seus surpreendentes e coloridos jatos d’água me
fazia ficar parado, encantado, a admirá-la. Maravilhosas canções eram
transmitidas pelas potentes caixas de alto-falantes da fonte, que faziam uma
perfeita harmonia com os jatos coloridos. Seus gramados de um verde muito vivo
eram completados por pequenas plantas que sempre derramavam flores e mais
flores. Um jardim de encanto. Havia também roseiras floridas, dos mais diversos
tons e tamanhos.
O pipoqueiro, com seu carrinho e sua palavra amiga conquistava as
crianças. Não havia o medo, era de confiança, tratava a todos com cortesia e
conquistava amigos. Durante o dia, eu ficava contando as horas para que
chegasse logo a noite, para que pudesse ir para a praça, rever a bela fonte
luminosa, ouvir canções que encantavam e brincar com os amiguinhos da
vizinhança.
Aquele foi um tempo que as pessoas se encontravam para conversar, trocar
ideias. Era muito comum os vizinhos serem compadres e as crianças tomarem a bênção aos
mais velhos. A televisão não era tão obrigatória, impositiva, fazendo com que
todos ficassem mudos, lado a lado, olhar fixo na tela, sem conversar, como
hoje. Havia confraternização, alegria de encontros. Era uma praça muito bonita
e alegre.
Hoje, a praça ainda está lá. Como a Avenida Tocantins, sobre a qual já
escrevi um dia, suas árvores e seus arbustos estão tomados pela fuligem. A
fonte não mais existe, não mais tem música. E apesar dos modernos sistemas de
iluminação existentes, a praça está quase às escuras. Não tem mais crianças a
brincar, nem carrinho de pipoca. O pequeno quadro na parede de minha sala me leva até esse tempo.
Hoje, somos obrigados a viver, por razões segurança, trancados em casa.
E no dia a dia, a luta é pela sobrevivência, cada um com sua ocupação, com sua
obrigação a fazer.
Costumo afirmar que o melhor lugar do mundo deve ser a nossa casa. E ao
fitar o quadro, que tem quase a minha idade, contemplo em um canto da linda
paisagem, uma pequena, mas profunda mensagem, que sempre me leva à reflexões:
“Faze de tua casa um paraíso, e o paraíso será tua casa”.