(Para Isaías e Érika)
O dia amanhecia eles logo se colocavam a postos, no costumeiro lugar de
brincadeiras, à sombra de árvores frondosas e generosas. Ali, sobre uma tábua e
ao lado de um desvio no terreno, onde certamente á época das chuvas, passava a
enxurrada, eles ficavam horas e horas a brincar.
Eram irmãos. O menino, mais novo, era tímido. Falava pouco e só abria o
sorriso quando era para falar de sua escola, dos coleguinhas e da professora. Com
orgulho dizia estar no “primeiro ano A”. Dava ênfase especial à letra que
denominava sua turma, como se estar no ano A fosse privilégio e sinônimo de inteligência.
A menina, essa bem mais saída, dizia estar no terceiro ano A e abria um
sorriso quando falava que um dia seria como sua professora: bonita e
inteligente. E que faltavam poucos dias para completar nove anos.
Fui saber mais dos meninos ribeirinhos: eram netos do casal de zeladores
de uma pequena propriedade, situada às margens do majestoso Rio Araguaia, na
divisa do Pará com o Tocantins. E estavam passando as férias escolares ali.
A menina, em determinado momento, me confidenciou com certa tristeza que
não queria mais voltar para a casa da mãe, que queria mesmo era viver ali com
seus avós. E contou uma história triste: que seu padrasto era um homem ruim que
a obrigava a trabalhar o dia todo como gente grande e também espancava a ela e
ao irmão.
E tinha um sonho: ir à praia que ficava distante, na outra margem do rio
e brincar com aquelas felizes crianças que via passar em canoas e em velozes
jet-skis. O menino, com o sorriso tímido dava a entender que também
compartilhava dos mesmos sonhos. Disse que o avô havia prometido que logo os
levaria, mas esse dia estava demorado a chegar. E ela saia embalando sua boneca,
ou seu pedaço de boneca, que, ao lado do irmão, era sua companhia de todas as
horas nas brincadeiras infantis.
“Minha avó tá me chamando!”! Era a senha para que saíssem correndo
atendendo ao chamado da avó que de longe, gritava-os pelo nome. E sumiam em
direção à pequena casa onde moravam. E eu fiquei ali, a pensar: que futuro
espera esses meninos, que um dia deixam a casa dos pais e sonham não mais
voltar?
Ali junto aos avós, era só alegria. Era brincar, afinal, os pequenos afazeres
domésticos não incomodavam. E tinha muito, mas muito tempo mesmo para brincar.
Um dia, observei que estavam com uma brincadeira diferente: haviam amarrado
um cordão grande em um galho e na ponta, um pedaço de tijolo também compunha a
peça. Era a imitação de uma vara de pescar, com um “peixe grande” na ponta. E eles
brincaram ali, horas e horas, tentando tirar o “peixe” daquela água imaginária.
Chegando perto, perguntei o porquê daquilo e eles me disseram que o avô contara
uma história em que pegava um “peixão” e
eles resolveram imitá-lo. Era a vida de criança, transformando em arte e brincadeiras
as histórias gostosas dos avós.
Minhas férias acabaram e eu tive que voltar. Ao despedir de meus amigos
meninos ribeirinhos, recebi deles o sorriso de todos os dias e a pergunta: você
volta depois, né tio? Você é bonzinho... Essa ultima frase foi dita meio que
para dentro, quase que como uma reflexão.
Segurei a emoção, para não chorar diante deles, mas ao me afastar não pude
conter uma lágrima. O sorriso daquelas duas crianças e a verdade com que me
disseram essas palavras me tocou profundamente.
Hoje, de volta à correria da cidade grande, lembro com saudade dos dias
em que fiquei a descansar às margens do belo Rio Araguaia. Foram dias
maravilhosos. E lembro com saudade, de meus amigos, os meninos ribeirinhos.
Rogo ao Pai que lhes dê um destino diferente daquele que parece ser o que
os espera. Que eles consigam um futuro digno de seus sonhos. Que a vida lhes
sorria e se tornem cidadãos de bem; que consigam acesso aos estudos, possam ser
felizes e que façam à outras pessoas felizes também.
É o que eu desejo ao menino tímido e calado e à menina espevitada e
falante. Os meus amiguinhos, que como eu um dia, cheios de sonhos: os meninos ribeirinhos.