domingo, 12 de maio de 2019

EM TARDE DE CHUVA, LEMBRANÇAS E SAUDADE




A chuva veio de repente com pingos fortes e frios, quando eu aguardava que minha irmã Fatima ouvisse a campainha e abrisse o portão, para que eu adentrasse sua casa. Após a alegria do reencontro, explicitado em um abraço de irmão, casualmente colocamo-nos na janela, diante da floreira recém instalada no muro de onde pendiam orquídeas, begônias, e outras espécies de flores de uma beleza ímpar, que pareciam agradecer àquela chuva benfazeja.
Contemplando aquela beleza, começamos a conversar sobre a vida, sobre a infância na querida e saudosa Fazenda Nova América e também na longínqua Araguaçu, com seus personagens marcantes que faziam acontecer a vida naquela pequena comunidade.
Recordamos os vizinhos da fazenda, como Seu Zeca Silvino e a esposa Dona Terezinha, compadres dos meus pais. Seu Zeca tinha como característica marcante sua gargalhada forte e seu jeito bonachão e Dona Terezinha, sua delicadeza e suavidade na voz, e que sempre usava roupas da cor branca, certamente por algum voto ou mesmo por razões particulares.
Impossível não lembrar de “Sibila”, cujo nome de batismo era Severino e sua esposa Dona Mariana com sua prole imensa e alegre. Sibila, homem trabalhador das lides da roça, era pura alegria e bom humor.
A casa do meu avô não poderia deixar de estar nesse bate papo da janela. Lembramos da doçura que era a figura de minha avó Genoveva, humilde, generosa, cujas feições traziam paz e harmonia. No interior da casa, as imensas talhas cheias de água que ficavam na sala de jantar, o rádio na sala principal e os hábitos peculiares, como o jantar sempre às cinco da tarde.
Houve um tempo em que fomos morar em Araguaçu para que minhas irmãs estudassem. Morávamos em uma casa simples de tijolos aparentes que ficava em uma grande avenida, cujo destino era a saída em direção aos povoados de “Feijão Queimado” e “Patrimônio dos Mineiros”.
Tenho nos recônditos algumas lembranças dessa casa. Uma delas era quando passavam pela avenida grandes boiadas. Minha mãe fechava as portas, colocando nelas o “Agnus Dei”, invocando proteção divina para que nenhuma rês revôlta viesse a nos atacar. Assim, era expressamente proibido conversar alto, para que não corrêssemos risco.
Nos fundos dessa casa avistávamos um imenso campo de futebol e o grupo escolar, onde estudavam a maioria dos jovens da pequena cidade. Era nesse local que aconteciam as representações em comemoração ao sete de setembro, quando homens montados a cavalo reproduziam o grito de “independência ou morte”, que segundo a história foi bradado o por Dom Pedro I.
Saindo dessa casa e adentrando a avenida à esquerda iriamos encontrar o posto de saúde, onde a diligente Dona Iara atendia a todos que ali buscavam cura para seus males. Ainda lembro da figura ímpar de Dona Iara, de roupa branca e com uma seringa de injeção vindo para o meu lado e dizendo que não doeria, que seria rápido.
Em sentido inverso encontrávamos a praça da cidade, que abrigava uma pequena igreja ao centro, onde um dia foi ordenado padre meu primo Eduardo Alencar Lustosa.
Nas imediações dessa praça ficava a casa do Velho Gil, onde funcionava a agencia dos Correios, comandada por Lívia, uma de suas filhas. Quase ao lado, a loja de tecidos de Seu Mundico e dona Helena, pais do Padre Eduardo e do Fausto. Também ali perto a casa e o consultório de João Dentista e o armazém do Felão - um baiano alto, de voz forte e olhar direto. Ainda na praça e do outro lado, o armazém do Sr. Jovino, que tinha uma geladeira “a querosene” branquinha, Frigidaire, onde dentre outras coisas ele vendia “picolés de Ki-suco” feitos ali mesmo.
Mais abaixo, a farmácia do Zé Silva, a papelaria do Romildo e da Není, com seu aroma característico e na parte baixa da praça um posto de combustíveis e ao lado o armazém do Sr. Raul e de Dona Rica (pronuncia-se puxando o r, como ere), pais do hoje político Raul Filho, que foi prefeito de Araguaçu, de Palmas e também deputado estadual. Um detalhe: Dona “Rica” foi minha mãe de leite, e sempre teve um carinho especial por mim, tratando-me por “meu filho”.
Quase na saída que dava acesso à fazenda de meu avô e á querida Nova América, a pensão de Dona Altina e o armazém do Zé Crispim, de onde tenho a lembrança de ver seu filho João Crispim varrendo a frente, em uma manhã qualquer. E algo que muito me encantava, um dos símbolos da cidade que era avistado de longe: um cata-vento sobre uma torre, que movimentava uma bomba de puxar água, instalado na propriedade de Seu Terto, ou Tertuliano Corado Lustosa, prefeito por várias vezes da cidade.
E mais à frente, a chácara dos meus primos Zé Gonçalves e Francisquinha, com um córrego que corria bem próximo à casa, onde havia uma varanda onde a figura proeminente era um alegre rádio Abc – A voz de ouro.
Em seguida, chegava-se à estrada de rodagem, onde ao percorrer alguns quilômetros se avistavam imensas e talvez centenárias mangueiras da fazenda do Chiquinho Chaveiro, o que indicava que estávamos próximos ao local do acesso a estradinha que dava acesso à Fazenda Nova América.
O tempo passou tão rápido que ao despedir de minha irmã, acabei esquecendo o motivo principal pelo qual fora até ali. Afinal, foi emocionante naquela tarde de chuva, diante de flores tão belas, recordar momentos da vida, da infância, em doce saudade. Em doce saudade!


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