Não me senti intimidado com a presença daquela figura que lentamente se aproximava de mim, naquele fim
de tarde, quase noite, de um sábado qualquer.
Eu havia acabado de fazer minha caminhada e
corrida, e após alongar, dirigia-me ao carro para buscar uma garrafinha de água,
afinal, eu havia corrido bastante nesse dia e a sede estava grande.
Preparei-me para a abordagem desse senhor.
Mas para minha surpresa, ele passou ao meu lado e sequer dirigiu a palavra a
mim, apenas o olhar... Olhar triste, humilde, imerso em sua solidão.
Era um ser humano em situação deplorável.
Em situação de rua... Os cabelos, desgrenhados e grandes, a barba rala por
fazer, eram de um tom cinza, meio que para o lado de sujos. A vestimenta
parecia o de um palhaço de circo mambembe, daqueles paupérrimos, do inicio do
século passado: constava do que restava de uma velha bermuda jeans, com outra
de malha colorida sobre ela, uma blusa preta encardida sobre o que poderia
restar de uma camiseta ou algo parecido.
As pernas, estavam recobertas, por
ataduras, dando a impressão que esteve acidentado, ou queimado recentemente... Era de dar pena, impossível
imaginar como um ser humano chega àquela condição.
Ao contrario do que pensei, ele não se
aproximou de mim para pedir nada. Limitou-se a ficar ali perto, buscando no
chão uma bituca de cigarro. Pegou aquilo nas mãos como se fosse um tesouro. Não
me contive e dei-lhe boa noite.
Diante disso, seu rosto e iluminou, e,
mostrando-se surpreso, respondeu com voz fraca de humilde ao meu boa noite. Continuou
disperso, distante, até que tomou coragem e perguntou-me se tinha fósforos... Disse
que não fumava, mas o carro tinha acendedor e era possível atende-lo.
Acendeu aquilo que restava de um cigarro,
que certamente ficara rodando dias e dias pelo chão, como se acendesse um charuto
havana cubano. Em poucas tragadas, aquilo acabou e ele ficou por ali, calado. Ofereci água, ele aceitou, dizendo em voz baixa que fazia tempo que não bebia água boa e limpa. Dei-lhe
a garrafinha e ele bebeu lenta e pausadamente, em goles tímidos.
Sem que eu perguntasse, ele disse que "precisava
sair daquela vida, que estava tudo cada dia mais difícil". Embora parecesse
desprovido da vontade de viver, era um ser humano. Onde estão os resultados das grandes e
pomposas propagandas oficiais, veiculadas em horário nobre e em rede nacional,
que não chegam até uma pessoa naquela condição?
Pus-me a pensar: aquele homem um dia nasceu
em um lar, teve família, talvez tenha tido esposa, filhos... Porque estaria daquela
maneira, no limiar da vida e muito próximo da morte?
Súbito
lembro que em Goiânia ocorre com frequência assassinatos de moradores de rua
e, aquele homem corria sério risco. Cruel
o destino, se ele não morresse atropelado ou pelas doenças decorrentes da
inanição, dos maus tratos que a vida impiedosa nas ruas oferece, poderia vir a ser
a próxima vitima dos matadores de aluguel.
Naquela tarde, lembrei-me de uma canção que
ouvia na infância, na querida e saudosa São Miguel do Araguaia. Essa canção era
umas das minhas preferidas, e eu a tocava no violão, junto com os jovens da minha
paróquia: “Seu nome é Jesus Cristo” e trazia versos assim:
“Seu nome é Jesus Cristo e está sem casa... E dorme pelas
beiras das calçadas
E a gente quando vê aperta o passo... E diz que ele dormiu embriagado... Entre nós
está e não O conhecemos... Entre nós está e nós O desprezamos...”
Entre nós, está... E seu nome, é Jesus Cristo! Jesus Cristo... Na figura daquele pobre homem... Mendigo, jogado qual lixo em triste situação de rua, vestindo farrapos e a catar tocos de cigarro e restos pelo chão. Mas, um ser humano, que tem alma e coração... Que precisa de cuidados... E, verdadeiramente, ser tratado como ser humano.