O modo carinhoso
de um casal de pequenas araras que vieram visitar meu quintal, em busca de
goiabas temporãs me trouxe momentos de enlevo e extrema ternura.
Quase fim de
tarde, e o sol no horizonte dando mostras que em breve iniciaria sua rápida descida
rumo ao poente, despedindo-se do dia e deixando que a noite viesse com quietude
e paz.
O meu dia foi difícil.
Correrias, muito trabalho, preocupações. Mas, nada fora da rotina, nada que
trouxesse aflições.
Ao chegar em casa,
me permiti ficar sob a sombra da jabuticabeira, sentado na confortável e amiga
cadeira de fios, em precioso e calmo momento, de quase solidão...
Enlevado pelo
carinho e cuidado dos pássaros que se movimentavam no alto, deixei o tempo
passar, despreocupado e encantado com o que via.
Chegada a hora da
caminhada diária ainda permaneço com imagens das aves no meu quintal no
pensamento. Fico a observar as pessoas que todos os dias em respeitoso e às
vezes em indiferente silêncio passam por mim. Indo, vindo, passamos pelos
outros sem um cumprimento, um meneio de cabeça. Às vezes sequer dirigimos o
olhar.
Mas o parque tem
seus personagens. São cativos daquele horário, estão diariamente a aproveitar
aquele maravilhoso espaço, verdadeiro pedaço de natureza dentro da cidade
grande. Embora cercado por arranha-céus, ainda temos ali mata fechada, um
pequeno córrego que deságua em um lago, muito verde e a segurança, feita pelos
gentis e educados guardas municipais que ali trabalham.
Dirijo meu olhar a
um casal que ocupa sempre o mesmo banco, próximo às margens do lago. Não é um
casal comum, como tantos que ali vão para namorar e colocar o papo em dia. Os
cabelos brancos de ambos mostram que já viveram muitos momentos na vida. E um
detalhe: o extremo cuidado que ele devota a ela. Isso os diferencia.
Sentados lado a
lado, eles sempre tem as mãos unidas, entrelaçadas. E o usual gesto de ternura, ao acariciar a face dela, cujas marcas do tempo são aparentes. O cuidado sugere que está
sempre a zelar de preciosa joia. São inúmeros os gestos de carinho e ternura
que destinam um ao outro, como um constante afagar nos cabelos brancos. Confesso
que tenho imensa vontade de ficar pertinho deles, apenas para ouvir seus diálogos,
que certamente são entremeados por declarações de amor e lealdade.
Voltando a atenção à pista de caminhada, ao longe vislumbro outro casal, aparentemente pai e
filha. Vão no mesmo ritmo, no mesmo caminhar, seguem com passos lentos e
trôpegos.
À minha passagem
os cumprimento e recebo de volta um sorriso amistoso e um boa tarde de
satisfação. Continuam em seu caminhar, com intensos e interessantes os diálogos,
embora baixinho e discretamente, como que para não incomodar a quem cruza por
eles. Muita demonstração de alegria de ambas as partes. Não caminham por toda a
pista, apenas onde ela é plana, para que o esforço da subida não os sobrecarregue.
Carregam
limitações que a vida impôs. O caminhar lento, pelo lado dele, é fruto do peso
dos anos, explicitado em brancas cãs e em traços do rosto. O corpo esquálido
mostra leve curvatura. As cargas, o peso da toda a vida.
Ela, sempre muito
elegante, com perfume que transcende, traz as limitações em seu caminhar lento
por necessidades especiais. Mas passam a imagem que se completam ao se amparar.
Que um não vive sem o outro. E parecem fazer daquela caminhada um momento
social muito importante em suas vidas.
Me emociono sempre
ao perceber esses momentos, desde as ternas araras no quintal em busca de alimento,
o casal de brancas cãs que namoram no banco de madeira com extrema ternura, ou
pai e a filha que se amparam e não fazem de suas limitações motivo de desistir
e viver a vida solitária e mente.
Vejo nesses momentos
a felicidade muito presente. Em gestos, cuidados e elevadas demonstrações de cuidado,
carinho e amor. Muito amor! Assim, deve ser nossa vida.
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