A leveza e a suavidade com que uma pequena
folha seca ia e vinha, ao sabor do vento, sobre o asfalto daquela rodovia,
impassível diante do carro ou do caminhão que transitava ali, mostrava que ela,
a pequena folha, superava e suportava a tudo que se apresentava. Era
apenas uma singela folha seca, que destemida diante dos gigantes da estrada,
parecia não querer sair daquele lugar.
Embora o deslocamento de ar causado pelo
trânsito de veículos insistisse em tirá-la do caminho, inexplicavelmente ela
permanecia. Permanecia imóvel até que outro carro, caminhão ou motocicleta
viesse movê-la.
Estava uma tarde espetacular de outono. O sol,
encaminhava seus últimos momentos na jornada do dia. Despedia-se e dourava
de luz e beleza a vegetação dos verdes campos daquela terra. O céu, de um azul suave, com algumas nuvens
brancas que a cada momento variavam suas formas, parecia que, por pura cumplicidade
com o sol, juntava-se a ele e completava a beleza da tarde, ao fim daquele dia.
O carro deslizava pelo asfalto, e a folha
seca logo ficou pra trás. Era apenas uma rara e tênue lembrança dentre todos os
fatos daquele dia. Ao fim das ultimas luzes da tarde cheguei ao meu destino e
ao lado dos companheiros de viagem, dirigimo-nos ao teatro onde faríamos uma
apresentação musical.
A rotina foi a mesma de cada
show. Chegada, sendo sempre muito bem recebidos. Verificar o local, fazer vistoria técnica, organizar camarins, e após breve descanso, os músicos e o
artista principal daquela apresentação, iriam passar o som.
A pequena folha seca, volta e meia permeava
minhas lembranças. E com isso, minhas
reflexões vieram à tona. Comecei a lembrar o movimento da pequena, aparentemente
frágil e indefesa folha seca com a vida, com o existir. Pensei como aquela folha saiu de
um caule, tenra, pequenina, broto ainda. Depois, cresceu e foi apenas mais uma
folha verde e viçosa junto com outras, em uma arvore imensa, grande. Teimosa,
seguiu ali até o dia em que, perdendo o vigor, o viço, a cor verde
deu lugar à amarela, e aos poucos foi secando. Outras vieram nova, um pouco mais no alto e a substituíram, e naquele outono, ela finalmente, desprendeu-se do caule que a sustentava e
deixou-se levar pelo vento. Cumpria assim sua sina. Agora, era somente o esperar que alguma
lavareda de fogo, ou algum inseto ou fungo, dela viesse se alimentar.
Mas a pequena folha, inquieta como era, aproveitou a força de um
vento mais forte e deixou-se levar, pois queria conhecer outros lugares, outros mundos. Estava no outono, onde tantas outras folhas caíram junto com ela, mas ainda
assim, permitiu-se conhecer o outro lado da vegetação, onde havia a estrada e movimento e
sons que a encantavam.
Foi assim que a pequena folha chegou àquela
tarde, àquele local na estrada, onde eu passava junto com amigos, indo para
mais um trabalho, mais um show, mais uma produção.
Comparei a vida, o existir, com a imaginada trajetória da pequena e frágil folha. Poeticamente, situei cada
momento dela com momentos da minha vida, onde os outonos chegam sempre.
Logo, serão muitos: cinquenta outonos vividos,
completos. Passarei por esse outono, irei em busca de superar invernos, para chegar à primaveras de flores e amores e viver verões intensos. Assim, logo, mais um outro outono, no venturoso ciclo da vida.
E sempre com a inquietude de uma folha, que mesmo seca, frágil e indefesa, desprendida de seu caule, vai em busca de uma estrada, uma estrada de alegria, sons e movimentos.
E sempre com a inquietude de uma folha, que mesmo seca, frágil e indefesa, desprendida de seu caule, vai em busca de uma estrada, uma estrada de alegria, sons e movimentos.
Depois de mais um outono... Cinquenta
outonos.
Já disse (no discurso de recepção à poetisa e cronista Leda Selma na AGL) que só se é bom cronista quando a essência poética é presente no ser-escriba! Pardabéns, poeta e cronista Paulo Rolim! Belíssimas observações, texto impecável!
ResponderExcluirParabéns Paulo Rolim,estou em viagem e tive o prazer de almoçar bem lentamente saboreando sua deliciosa crônica. Belos texto poético.
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