A democracia permite que qualquer brasileiro, em dia com suas
obrigações civis e eleitorais, filiado em um partido político e de acordo com
as regras do TSE, seja candidato a qualquer cargo eletivo e caso obtenha os
votos necessários, seja eleito, inclusive para a presidência da república. Esse
é um dos pilares do regime democrático, que em tese, dá voz e
representatividade à decisão da maioria da população.
A história republicana brasileira traz situações interessantes,
esdrúxulas e até cômicas, não fossem trágicas. E uma constatação: brasileiros
com vocação para liderar e com perfil de estadistas, podem ser contados nos
dedos de uma mão. E olhe lá que sobram alguns dedos...
O período pós-redemocratização do país mostrou haver uma vacância de
políticos com perfil conciliador, capazes de unir o país em torno de projetos
comuns, e que trouxessem dentro de si características indispensáveis a um homem
público: honradez, honestidade. E sensibilidade para apresentar propostas e
atos que tragam em sua essência o ser humano como prioridade, não apenas aquilo
que preconizam os mercados, o liberalismo e as cartilhas econômicas.
Após o trágico acontecimento com Tancredo Neves – para muitos até hoje
mal explicado - grande esperança de solução imediata de todos os problemas do
Brasil assim que tomasse posse, foi feito um arranjo entre os líderes
políticos, que acabou levando o maranhense José Sarney, que fora vice-líder no
Senado do governo Geisel, bem como filiado à Arena, partido da situação durante
o regime de exceção.
Sarney, ao ver que se aproximava o fim do governo militar, juntando-se
a outros políticos acabou por deixar a Arena, que com a reforma política
que acabou com o bipartidarismo, virou PDS e na sequência compôs com a Frente
Liberal - aglutinando forças conservadoras e foi o fiel da balança na definição
do futuro político do país. Sarney colocou-se como vice de Tancredo Neves que concorreria e seria eleito indiretamente pelo congresso nacional,
vencendo a chapa comandada por Paulo Maluf, candidato do núcleo duro da
direita. E pode-se afirmar a eleição indireta que foi um degrau obrigatório para a transição sem
maiores dissabores ou dificuldades entre a ditadura e a democracia.
Eis que, finalmente em 1989 ocorreriam as tão sonhadas eleições diretas
para presidente da república. Havia apenas um candidato natural,
Lula, então presidente do Partido dos Trabalhadores e uma série de prováveis candidatos
menos expressivos eleitoralmente, embora conhecidos, como Paulo Maluf, Mario
Covas, Leonel Brizola, Fernando Gabeira, Aureliano Chaves.
Mas eis que surge de um momento para outro um político desconhecido, com ótima oratória, que se utilizando de um programa partidário em rede
nacional e com uma agressiva proposta de moralização do país sob o bordão de “caçador de marajás”, mostra cenas de grãos armazenados pelo governo
supostamente apodrecendo, e se projeta como um arrojado líder, além de jovem, audaz e moderno. Ideal para tirar
o país do atraso, com uma população ávida por modernidade e progresso econômico e social.
Collor acaba sendo eleito em um pleito cujo desfecho teve fatores
determinantes, dentre eles a edição de um debate promovido pela Rede Globo, o que
segundo especialistas, prejudicou Lula, seu então adversário, candidato por uma
coligação liderada pelo PT.
Mas seu governo durou pouco, apesar de ações de
marketing, como voar em um caça da FAB e outras aparições tidas como
fantásticas. Após o fracasso de planos econômicos e a divulgação em revistas
nacionais de atos de corrupção da “República de Alagoas”, como chamavam seu
grupo político, teve o mandato cassado, muito pela pressão de movimentos de
jovens que tomaram conta do país, na época os chamados cara-pintadas.
Itamar Franco, vice na época, assumiu e comandou um governo que lançou
os pilares para a economia até hoje vigente, com a elevação ao cargo de
Ministro da Fazenda do então pouco conhecido e até controverso chanceler
Fernando Henrique Cardoso, que surfou nas ondas da popularidade trazida pela
estabilidade econômica e na sequência, pelo voto direto se elegeu presidente.
Mais uma vez ficou claro que a falta de líderes deu o poder a um
político que outrora desconhecido, recebeu do povo brasileiro a incumbência de
conduzir os destinos do país. Após o Governo de FHC, finalmente Lula foi eleito
presidente da república, comandando um período que se utilizou fartamente da
estabilidade econômica trazida pelo plano real, avançou em alguns quesitos,
trazendo substancial melhora na educação com a abertura de inúmeras faculdades
privadas e estatais, mas desde o início, ao assumir o poder deixou-se
contaminar pelo nocivo mal da corrupção, que sobre a égide de seus líderes
partidários, levou o país a uma crise econômica, a qual será longa e a duras
penas sairemos dela. Maluquices como uma suposta criação de um bloco político
esquerdista unindo países do cone sul, além de generosos empréstimos sem
garantia a ditaduras africanas, além de Cuba e Venezuela, que levaram o país a
bancarrota, a ponto de a principal empresa do país quase quebrar.
Em 2018, novamente a falta de líderes e o fenômeno se repete: mais uma vez um político desconhecido
do povo brasileiro se projeta como a única opção capaz de vencer uma
organização partidária que se transformou, segundo afirma o Ministério Público,
a Procuradoria Geral da República e corroborado pela justiça em todas as
instancias, em organização criminosa com tentáculos em diversos setores da
sociedade e capaz de promover atos onde até pessoas de bem se deixam levar.
Jair Bolsonaro, que um ano e meio antes das eleições percebeu o enorme
poder das redes sociais, tornou-se aos poucos conhecido de quem decidiria as
eleições. De roldão, levou dois filhos para o congresso – um no Senado outro na
Câmara – além de um adotivo, e recebeu quase 58 milhões de votos, mas isso não
significa que hoje tenha o apoio desse eleitorado.
Definitivamente, Bolsonaro não era o candidato mais preparado dentre os
que disputaram as eleições naquele momento para gerir o país, mas conseguiu se
impor como o único capaz de vencer o candidato que representava a corrupção
sistêmica que tomou conta do país. Foi assim que, de desconhecido e pouco
significativo representante de um segmento da sociedade no congresso,
integrante histórico do baixo clero, se elegeu presidente da república.
Mal assumiu e seus atos impensados e pouco recomendáveis começam a surgir. Desde
uma absurda tentativa de imposição de valores conservadores e religiosos ao
povo, a desnecessária briga com governadores e a suposta tentativa de proteção explícita a seus
filhos ante investigações da polícia e do ministério público, acabaram
por torna-lo uma grande decepção ao povo que o elegeu.
O pior: quando da chegada do furacão que se tornou o Covid-19, ou
Coronavírus, que exigiu das governantes ações rápidas e eficazes, dignas de estadista, o presidente não correspondeu.
Desde a absurda perseguição a jornalistas e veículos de imprensa que
não aceitam abandonar o jornalismo livre e crítico para simplesmente
corroborarem com seu modo de pensar a agir, até a irresponsabilidade com que
parece conduzir sua vida e de seus auxiliares nesse momento de pandemia, o
fazem com que se torne um presidente fraco. Sua sorte é que seus adversários,
por enquanto, são inexpressivos e moralmente desacreditados, como o deputado
Rodrigo Maia, que supostamente conduz a câmara federal motivado única e
exclusivamente em evitar que ao sair da cadeira de presidente, tenha o mesmo
destino que seu antecessor Eduardo Cunha.
Cenas de ciúme, dignas de pastelão ou do seriado O bem amado, onde ele
fez questão de dizer a todo mundo que “ presidente sou eu” ou “eu tenho a
caneta”, trazem insegurança e a certeza que o presidente é mesmo muito fraco
pouco determinado, incapaz de conduzir o país diante de suas necessidades mais
urgentes.
O Brasil tem pela frente duas guerras. A primeira, contra o nefasto e
letal Coronavírus, depois a reconstrução econômica, social e até política. O presidente até o presente momento se mostra incapaz de ser conciliador e condutor de
um grande pacto pelo bem do país.
Por isso, que é hora de pensarmos em 2022, nos candidatos que se apresentarão,
para que não se eleja alguém pelo fato de ser o mais popular das redes sociais.
Que se analise seu passado, seu presente e a possibilidade de seu futuro
juntamente com o país.
Experiências nesse sentido, costumam não dar certo, como mostra a
história recente. Precisamos de um estadista, honesto, comprometido com
o Brasil e seu povo. Tá difícil encontrar um político com esse perfil? Sim,
mas não podemos desistir! É hora de começar a debater o assunto. Já!