domingo, 31 de março de 2024

SOBRE A EXISTÊNCIA

 

 

O goleiro José Américo (Tiê) em 1972 no time
do Ginásio Anchieta. Último à direita, de camisa preta.


A escalação do time.


Nas primeiras horas deste Sábado de Aleluia, meu irmão José Américo (Tiê) fez sua Páscoa. Depois de longos anos de calvário e sofrimento, após o brutal acidente que o vitimou deixando-o inconsciente sobre uma cama para sempre, ele parte para a Casa do Pai.

Por ser mais velho, ele sempre foi minha grande referência e sempre fui seu grande admirador desde a mais tenra infância.

Estão muito presentes em minha memória afetiva as conversas de meus pais, tendo como fundo musical a alegria do rádio, à luz do candeeiro nas noites quentes da saudosa Fazenda Nova América, quando diziam:

— Tiê chega semana que entra.

 Ao ouvir isso, eu me enchia de expectativas. Embora eu fosse muito menino, era sempre esperada a presença de meu irmão, quando ele vinha para as férias escolares.

Tiê, como o chamávamos, estudava no Ginásio Anchieta, na distante e centenária Silvania e vinha uma vez por ano passar as férias em casa. Talvez pela distância e pelas dificuldades de transporte, nem sempre era possível passar as férias de julho, vindo apenas ao final do ano.

Lembro como hoje, quando em um fim de tarde eu estava com meu pai tomando banho de riacho, e começamos a ouvir uma pessoa assoviando alto na direção da estrada que vinha da casa do meu avô e que dava acesso à cidade de Araguaçu.

Papai levantou a cabeça e ao ouvir novamente os assovios, abriu um sorriso e disse:

— É Tiê.

Apressamo-nos no banho, subimos a pequena ladeira e chegamos em casa ao mesmo tempo que Tiê. Bênçãos de pai e mãe, abraços emocionados. Hora de boas conversas, de colocar fim a círculos de saudade e claro, de muita alegria.

Outra lembrança que tenho é quando eu era adolescente e morávamos em São Miguel do Araguaia. Tiê, já homem feito, morava em Goiânia. Certa manhã, minha mãe escuta uma canção do Roberto Carlos – Eu cheguei em frente ao portão – no alpendre de nossa casa e ao abrir a porta, dá de cara com meu irmão. Novamente, momentos de alegria e emoção.

Estas e outras tantas lembranças permanecem no meu coração, no meu inconsciente. Aliás, estas e inúmeras lembranças.

O tempo passou. Vieram casamento, filhos, netos... Alegrias, tristezas, dores, batalhas pela sobrevivência, conquistas, decepções. Típico da existência.

Mudanças, caminhos novos, recomeços.

A vida seguiu.

Momentos difíceis são passiveis de superação, mas há situações que não conseguimos prever e que costumam nos pegar de surpresa. Um vírus letal, aquela curva no caminho, o coração que não suportou, um cruzamento fatal, encerram sonhos, findam trajetórias que pareciam estar a poucos passos dos objetivos traçados de felicidade e realizações.

Para uns o calvário se estende por tempos e tempos. Para outros, acaba ali e em menos de 24 horas passa-se a ser saudade, lembranças.

Mas é inexorável: a hora da partida chega.

E o próximo segundo pode ser o ultimo.

 

 

 

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