sexta-feira, 24 de agosto de 2012

VELHAS FOTOGRAFIAS DE SAUDADE


                Rebuscando e remexendo papeis guardados em velhas caixas de papelão, eis que encontro esquecidas e quase abandonadas fotos de tempos antigos, felizes, de esperança e busca de dias melhores.
                Olhando aquelas fotos, percebo o quanto éramos fisicamente diferentes. O que nunca mudou  foi o sorriso estampado no rosto e os sonhos, que continuam os mesmos. Retratos de épocas em que começávamos a construir a vida, formatando aquilo que somos hoje.
                Como foi bom revisitar aqueles momentos. As “crianças” eram pequenas, dependentes e felizes, vivendo sua infância, não obstante as dificuldades da época.

                Invariavelmente viajo a esse tempo, que foi muito feliz. O começo da vida a dois, a vinda das filhas queridas,  que um dia tiveram a primeira bicicleta, o primeiro uniforme e o primeiro dia na escola. Aos finais de semanas as meninas iam à casa dos avós maternos, onde as tias, que eram da mesma idade ou até menores, eram alegres companheiras de brincadeiras e traquinagens.

                Os avós moravam de agregados em uma fazenda. A casa ficava nas proximidades de uma mata e uma aguada, que desembocava e formava uma bica d’água que corria o ano inteiro. Pertinho, um pé de manga coquinho derramava-se sobre o chão com seus galhos firmes e quase centenários, a beijar o chão e reverenciar a mãe terra que lhe sustentava as raízes. Ao lado um imenso tronco seco, tombado mas ainda firme de um grande angico, que sob a força bruta de um insistente machado, um dia caiu. Servia de balanço à meninada, como um amplo play ground natural
                Com telhado quatro águas, sem varanda, e com pouco conforto, a moradia era ao menos aconchegante. Constava de dois quartos, sala com janela de madeira e a cozinha grande, onde ficava o fogão à lenha. Apesar de pequena, agasalhava bem a todos os filhos. Por algumas telhas quebradas nas noites claras as crianças divertiam-se quando ao deitar, antes que chegasse o sono, viam pelas frestas a luz da lua e o brilho das estrelas.

                Um dia tiveram que mudar para a cidade. A velha fazenda fora vendida e os novos compradores não queriam saber de agregados morando lá. A mudança para a nova morada foi um choque, embora tivessem ido para a periferia da capital, em uma Vila não muito longe da antiga fazenda.
                 A casa nova da cidade era simples, pequena, menor que a da fazenda. Aos poucos foram construindo mais cômodos. No inicio estranharam a água de cisterna e as telhas de amianto, que cobriam a casa, muito quente e abafado.

Aos poucos foram se adaptando, as crianças foram crescendo e a vida foi ficando aparentemente melhor, com novos móveis e itens de conforto sendo acrescentados. A até então pouco necessária televisão tomou seu lugar na sala e, em certas horas do dia, passou a monopolizar a atenção. Superou  rapidamente o rádio, até então a principal e mais animada diversão daquela casa.

            Passados tantos anos dos momentos registrados naquelas fotos, fiquei enternecido e saudoso ao revê-las. Aquelas imagens de alegria e felicidade revolveram nos recônditos do coração as boas lembranças e junto com a saudade, trouxeram-nas de volta ao presente.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

PARA ONDE IRÁS, ANA MARIA?

            A tiara de cores alegres emoldura o pequeno rosto, adornado por um sorriso franco e inocente. A pequena Ana Maria pouco se importa com o barulho e o movimento intenso de veículos e pessoas ao seu redor.


De dentro de um carrinho de bebê, sob os cuidados da mãe ela encanta a todos que ali passam. Não obstante a pouca idade – oito meses de vida – ela parece acompanhar tudo com seus olhos negros, vivos e brilhantes. E solta sempre seu sorriso espontâneo quando se aproximam e brincam com ela.
Durante o dia a casa e o mundo de Ana Maria é a marquise em frente a um centro comercial, onde dentre outras modalidades de comércio há drogaria, distribuidora de bebidas e vinhos finos e uma agência bancária, situado em uma das esquinas mais movimentadas de Goiânia, confluência das Avenidas T-63 e T-4, no Setor Bueno - região sul da capital goiana.
Enquanto Ana Maria fica sob os cuidados da mãe – que está grávida de dois meses - o pai, rapaz jovem e sonhador vigia e orienta a manobra dos carros que entram e saem do estacionamento de calçada, tipo espinha de peixe do movimentado centro comercial. Faz esse trabalho, mas não coage nem exige paga pelo serviço. Aceita de bom grado as moedas e algumas notas de poucos reais que os motoristas lhe oferecem – alguns até de cara não muito boa.
O resultado do serviço é imediatamente entregue à esposa, que toma conta do “caixa”. Quando as moedas alcançam numero suficiente vai até a farmácia e troca por notas de papel – “mais fáceis de guardar”, diz.
O pouco tempo que fiquei ali serviu para conversar com a família. A rotina deles é pesada: saem de casa às cinco da manhã de onde moram, um barraco alugado de dois cômodos em Trindade, cidade que fica a 20 km de Goiânia. De ônibus coletivo gastam cerca de duas horas para fazer o trajeto até o centro comercial.
É preciso chegar cedo, pois o movimento das primeiras horas da manhã, antes do expediente comercial é bom e as pessoas necessariamente procuram o banco e a farmácia. Sempre se faz um bom dinheiro nessa hora.
Trabalham ali até as 21 horas, quando cansados e fatigados buscam o caminho de volta à pequena casa em Trindade. Merecido e breve descanso, pois novamente hão de recomeçar na manhã seguinte. Para não perder o “ponto” trabalham todos os dias, de domingo a domingo.
Os pais de Ana Maria têm seus sonhos: imaginam em breve ter seu cantinho. Para isso querem juntar uma pequena quantia e para completar “tirar” um financiamento em banco oficial para ter a tão sonhada moradia, onde poderão criar a filha e o bebê que em breve virá.  “Responsabilidade aumentando, Doutor”- afirma antes de correr para ajudar a manobra de um carro que vai sair.
Do outro lado da cidade, alto da Avenida T-9 na Região Sudoeste, quando paro no semáforo vejo um rapaz puxando um pesado carrinho cheio de papelão e materiais para recicláveis. O movimento de carros e a subida íngreme, que tornam seu propósito mais difícil e árduo, parecem não o abalar.

Observando mais detidamente percebo no cantinho, dentro de uma caixa– como a não querer atrapalhar – o rosto assustado e triste de uma criança cuja idade certamente aproxima-se de um ano e meio. Com um pedaço de pão doce na mão, distraidamente observa o mundo que passa à sua frente ao ritmo da caminhada do pai. Parece não se interessar muito, pouco se importa com aquilo que a cada instante se apresenta a ela. Quieta e comportada, de costas para o pai, que segue seu caminho em marcha constante e firme, a pequena criança mostra tristeza no olhar, ao contrário da risonha Ana Maria.

As duas crianças – Ana Maria e a menina triste do carrinho da Avenida T-9 vão precisar de coisas básicas e essenciais como um teto digno, família estruturada, saúde, lazer e acesso à educação para que o futuro não lhes seja ingrato.
Ao invés de permanecerem durante todo o dia sob uma marquise ou dentro de um carrinho de recolhimento de recicláveis no desconfortável calor de Goiânia, estariam melhor em uma creche sob o cuidado de “tias” dedicadas e preparadas.

Por apenas vê-la passando enquanto aguardava a abertura do semáforo, nada fiquei sabendo sobre o mundo e a família da pequena e triste menina da Avenida T-9. Resta-me rogar ao Pai do Céu que a proteja e ampare, bem como à pequena e risonha Ana Maria
.

sábado, 4 de agosto de 2012

A CASA DE RILZA E ZÉ LUIZ


                      “Ao Senhor oferecemos o alimento que teremos” Era assim que iniciávamos o almoço na casa de Rilza e Zé Luiz. Depois da oração, em alegre e festivo momento degustar a comida deliciosa preparada por Rilza e prestar atenção na boa prosa de Zé Luiz, que sempre tinha coisas boas e alegres para dividir.
                      A essa época eu era aluno interno do Ginásio Anchieta de Silvânia – GO. Durante a semana tinhas minhas atividades normais como todos os demais alunos do internato, mas aos finais de semana desfrutava do imenso e único privilégio de ir para a casa de Rilza e Zé Luiz.  
                      O filho mais novo de Rilza e Zé Luiz, Luzo era meu colega de classe, estudávamos na mesma sala onde fazíamos a mesma série. De imediato ficamos amigos, como se fôssemos irmãos. Amizade que se estendeu quando comecei a freqüentar sua casa e fui acolhido como filho por Zé Luiz e Rilza.
                      Recordo como hoje aquela manhã chuvosa de sábado, depois das aulas, o primeiro fim de semana que passei naquela casa feliz da Rua Henrique Silva.  Um fato interessante e marcante aconteceu assim que cheguei.  A mãe de “Tia Rilza” e avó do Luzo, Vó Dalvina havia trazido ovos de tracajá, iguaria muito apreciada em sua terra natal, a cidade do Peixe - àquela época Goiás e hoje Tocantins. Perguntaram se eu aceitava e ao dizer sim, ainda falei que gostava muito – mesmo sem conhecer. Só que ao colocar na boca o tal ovo de tracajá, não fui com a cara nem com o gosto do petisco, e tentando disfarçar chamei o Luzo para visitarmos o quintal, onde eu poderia me livrar daquilo mais facilmente. Foi o bastante para que todos caíssem na risada e se divertissem com a minha falta de jeito e  inexperiência com a iguaria.
                      Daí para a frente foi somente alegria. A casa de Rilza e Zé Luiz passou a ser a minha casa em Silvânia. “Tio Zé Luiz” gostava de reunir a família e patrocinar  saraus, onde o violão e sua possante voz se sobressaiam. Era de uma alegria incomensurável e contagiante ouvi-lo  interpretando belas canções de Seresta. Embora Zé Luiz sofresse com seus reumatismos, sempre mantinha o bom humor.
                      Zé Luiz era Contador e fazia faculdade. Durante o dia, pela manhã dava expediente no Ginásio Anchieta e à tarde, no escritório que ficava na casa de sua mãe, Emerenciana (Vó Miçana). À noite, ao lado de outras pessoas, tomava o ônibus e dirigia-se à cidade de Anápolis – GO, onde se formou em direito, carreira mais tarde seguida pelo “primo” Luzo.
                      A paixão futebolística da família Gonçalves dos Santos eram Flamengo e Goiás Esporte Clube. Duas bandeiras no quarto “dos meninos” simbolizavam isso. Como eu era torcedor do Vila Nova, que naquela época ganhava tudo no goianão tínhamos bastante o que falar do assunto.
                      Mas bom mesmo eram os passeios de bicicleta. Luzo tinha a dele e eu me apoderava da que servia ao escritório de contabilidade, uma Monark barra circular azul. Passeávamos pelos arredores da cidade e na volta, buscávamos sempre um quintal da casa de algum amigo, onde encontrávamos pés de mangas, jabuticabas ou mexericas pokan carregados e generosos.
                      Luzo e eu éramos tão irmãos que até brigávamos. A maneira de irritá-lo logo descobri: bastava chamá-lo pelo apelido que suas irmãs o presentearam que se enfezava. Não raro nos estranhávamos, mas logo tudo era apaziguado pelo conselho e pela ternura de Rilza, que com seu sorriso de mãe tornava impossível que não fizéssemos as pazes. Coisa de irmãos.
                      Ao fim da refeição, vinha a sobremesa. O pudim era uma das especialidades de Rilza. Zé Luiz degustava com imenso prazer e satisfação.
                      “Ao Senhor agradecemos o alimento que tivemos” Era a oração final, o agradecimento a Deus pela dádiva do alimento que nunca faltou àquela mesa.
                      Hoje mesmo distante agradeço ao Pai o privilégio do convívio com a minha família de Silvania, quando aluno interno do ginásio Anchieta. Além de amor, carinho e ternura na casa de Rilza e Zé Luiz fui verdadeiramente acolhido como filho, o que permitiu minimizar a saudade que sentia de meus pais, que moravam na distante São Miguel do Araguaia.
                      Obrigado, Senhor, obrigado ao Pai, pela família que tive e tenho no coração – dos queridos Rilza e Zé Luiz!