terça-feira, 14 de agosto de 2012

PARA ONDE IRÁS, ANA MARIA?

            A tiara de cores alegres emoldura o pequeno rosto, adornado por um sorriso franco e inocente. A pequena Ana Maria pouco se importa com o barulho e o movimento intenso de veículos e pessoas ao seu redor.


De dentro de um carrinho de bebê, sob os cuidados da mãe ela encanta a todos que ali passam. Não obstante a pouca idade – oito meses de vida – ela parece acompanhar tudo com seus olhos negros, vivos e brilhantes. E solta sempre seu sorriso espontâneo quando se aproximam e brincam com ela.
Durante o dia a casa e o mundo de Ana Maria é a marquise em frente a um centro comercial, onde dentre outras modalidades de comércio há drogaria, distribuidora de bebidas e vinhos finos e uma agência bancária, situado em uma das esquinas mais movimentadas de Goiânia, confluência das Avenidas T-63 e T-4, no Setor Bueno - região sul da capital goiana.
Enquanto Ana Maria fica sob os cuidados da mãe – que está grávida de dois meses - o pai, rapaz jovem e sonhador vigia e orienta a manobra dos carros que entram e saem do estacionamento de calçada, tipo espinha de peixe do movimentado centro comercial. Faz esse trabalho, mas não coage nem exige paga pelo serviço. Aceita de bom grado as moedas e algumas notas de poucos reais que os motoristas lhe oferecem – alguns até de cara não muito boa.
O resultado do serviço é imediatamente entregue à esposa, que toma conta do “caixa”. Quando as moedas alcançam numero suficiente vai até a farmácia e troca por notas de papel – “mais fáceis de guardar”, diz.
O pouco tempo que fiquei ali serviu para conversar com a família. A rotina deles é pesada: saem de casa às cinco da manhã de onde moram, um barraco alugado de dois cômodos em Trindade, cidade que fica a 20 km de Goiânia. De ônibus coletivo gastam cerca de duas horas para fazer o trajeto até o centro comercial.
É preciso chegar cedo, pois o movimento das primeiras horas da manhã, antes do expediente comercial é bom e as pessoas necessariamente procuram o banco e a farmácia. Sempre se faz um bom dinheiro nessa hora.
Trabalham ali até as 21 horas, quando cansados e fatigados buscam o caminho de volta à pequena casa em Trindade. Merecido e breve descanso, pois novamente hão de recomeçar na manhã seguinte. Para não perder o “ponto” trabalham todos os dias, de domingo a domingo.
Os pais de Ana Maria têm seus sonhos: imaginam em breve ter seu cantinho. Para isso querem juntar uma pequena quantia e para completar “tirar” um financiamento em banco oficial para ter a tão sonhada moradia, onde poderão criar a filha e o bebê que em breve virá.  “Responsabilidade aumentando, Doutor”- afirma antes de correr para ajudar a manobra de um carro que vai sair.
Do outro lado da cidade, alto da Avenida T-9 na Região Sudoeste, quando paro no semáforo vejo um rapaz puxando um pesado carrinho cheio de papelão e materiais para recicláveis. O movimento de carros e a subida íngreme, que tornam seu propósito mais difícil e árduo, parecem não o abalar.

Observando mais detidamente percebo no cantinho, dentro de uma caixa– como a não querer atrapalhar – o rosto assustado e triste de uma criança cuja idade certamente aproxima-se de um ano e meio. Com um pedaço de pão doce na mão, distraidamente observa o mundo que passa à sua frente ao ritmo da caminhada do pai. Parece não se interessar muito, pouco se importa com aquilo que a cada instante se apresenta a ela. Quieta e comportada, de costas para o pai, que segue seu caminho em marcha constante e firme, a pequena criança mostra tristeza no olhar, ao contrário da risonha Ana Maria.

As duas crianças – Ana Maria e a menina triste do carrinho da Avenida T-9 vão precisar de coisas básicas e essenciais como um teto digno, família estruturada, saúde, lazer e acesso à educação para que o futuro não lhes seja ingrato.
Ao invés de permanecerem durante todo o dia sob uma marquise ou dentro de um carrinho de recolhimento de recicláveis no desconfortável calor de Goiânia, estariam melhor em uma creche sob o cuidado de “tias” dedicadas e preparadas.

Por apenas vê-la passando enquanto aguardava a abertura do semáforo, nada fiquei sabendo sobre o mundo e a família da pequena e triste menina da Avenida T-9. Resta-me rogar ao Pai do Céu que a proteja e ampare, bem como à pequena e risonha Ana Maria
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3 comentários:

  1. Realidades chocantes num país tão incapaz de acolher seus filhos..

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  2. Situação triste, alegre e que necessita mesmo que oremos ao Pai, que tenha soluções. Mas ao mesmo tempo, reflete em nós a bondade de entregar ali uns trocados que, apesar de pouco para nós, valem a diferença para essas familias.

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  3. Quem sabe o futuro dessas crianças num País de tanta Desigualdade Social e Econômica! Só Deus mesmo...

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