De dentro de um carrinho de bebê, sob os cuidados da mãe ela encanta a todos que ali passam. Não obstante a pouca idade – oito meses de vida – ela parece acompanhar tudo com seus olhos negros, vivos e brilhantes. E solta sempre seu sorriso espontâneo quando se aproximam e brincam com ela.
Durante o dia a casa e o mundo de Ana Maria
é a marquise em frente a um centro comercial, onde dentre outras modalidades de
comércio há drogaria, distribuidora de bebidas e vinhos finos e uma agência
bancária, situado em uma das esquinas mais movimentadas de Goiânia, confluência
das Avenidas T-63 e T-4, no Setor Bueno - região sul da capital goiana.
Enquanto Ana Maria fica sob os cuidados da
mãe – que está grávida de dois meses - o pai, rapaz jovem e sonhador vigia e
orienta a manobra dos carros que entram e saem do estacionamento de calçada,
tipo espinha de peixe do movimentado centro comercial. Faz esse trabalho, mas
não coage nem exige paga pelo serviço. Aceita de bom grado as moedas e algumas
notas de poucos reais que os motoristas lhe oferecem – alguns até de cara não
muito boa.
O resultado do serviço é imediatamente entregue
à esposa, que toma conta do “caixa”. Quando as moedas alcançam numero
suficiente vai até a farmácia e troca por notas de papel – “mais fáceis de
guardar”, diz.
O pouco tempo que fiquei ali serviu para
conversar com a família. A rotina deles é pesada: saem de casa às cinco da
manhã de onde moram, um barraco alugado de dois cômodos em Trindade, cidade que
fica a 20 km de Goiânia. De ônibus coletivo gastam cerca de duas horas para
fazer o trajeto até o centro comercial.
É preciso chegar cedo, pois o movimento das
primeiras horas da manhã, antes do expediente comercial é bom e as pessoas
necessariamente procuram o banco e a farmácia. Sempre se faz um bom dinheiro nessa
hora.
Trabalham ali até as 21 horas, quando
cansados e fatigados buscam o caminho de volta à pequena casa em Trindade.
Merecido e breve descanso, pois novamente hão de recomeçar na manhã seguinte.
Para não perder o “ponto” trabalham todos os dias, de domingo a domingo.
Os pais de Ana Maria têm seus sonhos: imaginam
em breve ter seu cantinho. Para isso querem juntar uma pequena quantia e para
completar “tirar” um financiamento em banco oficial para ter a tão sonhada
moradia, onde poderão criar a filha e o bebê que em breve virá. “Responsabilidade aumentando, Doutor”- afirma
antes de correr para ajudar a manobra de um carro que vai sair.
Do outro lado da cidade, alto da Avenida
T-9 na Região Sudoeste, quando paro no semáforo vejo um rapaz puxando um pesado
carrinho cheio de papelão e materiais para recicláveis. O movimento de carros e
a subida íngreme, que tornam seu propósito mais difícil e árduo, parecem não o
abalar.
Observando mais detidamente percebo no
cantinho, dentro de uma caixa– como a não querer atrapalhar – o rosto assustado
e triste de uma criança cuja idade certamente aproxima-se de um ano e meio. Com
um pedaço de pão doce na mão, distraidamente observa o mundo que passa à sua
frente ao ritmo da caminhada do pai. Parece não se interessar muito, pouco se
importa com aquilo que a cada instante se apresenta a ela. Quieta e comportada,
de costas para o pai, que segue seu caminho em marcha constante e firme, a
pequena criança mostra tristeza no olhar, ao contrário da risonha Ana Maria.
As duas crianças – Ana Maria e a menina
triste do carrinho da Avenida T-9 vão precisar de coisas básicas e essenciais
como um teto digno, família estruturada, saúde, lazer e acesso à educação para
que o futuro não lhes seja ingrato.
Ao invés de permanecerem durante todo o dia
sob uma marquise ou dentro de um carrinho de recolhimento de recicláveis no desconfortável
calor de Goiânia, estariam melhor em uma creche sob o cuidado de “tias”
dedicadas e preparadas.
Realidades chocantes num país tão incapaz de acolher seus filhos..
ResponderExcluirSituação triste, alegre e que necessita mesmo que oremos ao Pai, que tenha soluções. Mas ao mesmo tempo, reflete em nós a bondade de entregar ali uns trocados que, apesar de pouco para nós, valem a diferença para essas familias.
ResponderExcluirQuem sabe o futuro dessas crianças num País de tanta Desigualdade Social e Econômica! Só Deus mesmo...
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