O canto das cigarras, que começou tímido, logo tomou conta do imenso
quintal da Fazenda Nova América. Situado nos fundos da casa humilde, o quintal
era composto de imensas mangueiras, de variadas qualidades, jaqueiras,
goiabeiras e nos fundos, à direita, laranjeiras e pés de limão, pinha e jambo.
Eu ficava tentando ver as cigarras. Não entendia como elas, apesar do
canto forte, vigoroso e constante, conseguiam manter-se invisíveis aos meus
olhos. Olhos curiosos, de uma criança que ainda tentava entender os mistérios da
natureza.
Apesar da pouca idade, eu já conseguia perceber as mudanças que ocorriam
com o tempo. Percebia que em determinada
época do ano, o sol chegava mais cedo. E era justamente quando as cigarras
traziam seu canto. Os ventos, apesar do forte calor, tornavam-se mais constantes
e nuvens tímidas apareciam no céu azul.
Enlevado com o canto das cigarras, notei que ao longe meu pai preparava a
terra para o plantio. Do quintal onde eu
passava as tardes em brincadeiras solitárias, sob o olhar vigilante e cuidadoso
de minha mãe, eu percebia o vulto de meu pai enleirando coivaras, no local que
seria a próxima roça, que havia sido derrubada e queimada há pouco tempo.
Numa tarde em que as cigarras cantavam sem parar, acompanhei minha mãe
até a frente da casa, onde ela estendia roupas que haviam sido lavadas no
riacho. Havia ali uma moita de açucena e dela, brotavam belos cachos de flores.
Flores de uma beleza indescritível, que traziam um perfume mágico, único e
embriagador.
Fiquei absorto, quieto, fitando aquelas flores, de pétalas suaves e frágeis.
De um branco perfeito, onde tinham pequenos pontinhos amarelos ao centro. Senti
a beleza daquelas flores adentrarem minha alma, meu coração. Somente fui
desperto daquela letargia pelo chamado de minha mãe, para que voltássemos para casa.
Era final de tarde, e meu pai chegou do trabalho da roça. Como de costume,
uma breve e carinhosa conversa com minha mãe, até que fomos - ele e eu – tomar banho
no pequeno riacho. Em minha inocência de criança, perguntei a ele por qual
motivo somente com o canto das cigarras, a açucena brotava flores tão belas. E
ele, fitando-me nos olhos, terna e carinhosamente me responde: estamos na primavera.
A palavra Primavera me tocou tanto quanto a beleza daquelas flores da
açucena. Primavera: como soou bem aos meus ouvidos e ao meu coração essa
palavra.
Depois dessa tarde, muitas primaveras vieram. E a cada vez que ela chega,
eu fico enlevado com o canto das cigarras e com a certeza que em breve a chuva
chega, trazendo alegria e conforto, fertilidade e renovação da vida.
E nunca esqueci, quando, meu pai, em seu jeito simples e amável, me ensinou
o que era a primavera. O sentido da estação das flores, a mais bela das
estações.
Está aqui, gravado nos recônditos do meu coração, as imagens e o perfume
daquelas flores de açucena. É impossível esquecer o perfume de flores de
primavera, com trilha sonora de canto de cigarras. E com a presença da chuva, renovando
o ciclo venturoso da vida.
Canto de cigarras e flores de açucena... Em uma linda tarde de Primavera!
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