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Imagem: Pixabay |
Dona Maria (nome fictício) tem
76 anos, é viúva e possui várias comorbidades, como hipertensão arterial, diabetes e
obesidade. É matriarca de uma prole de vários filhos e netos – muitos ainda
moram sob seu teto e dependem do minguado salário do INSS, a que fez jus por
ter a maior parte da vida, trabalhado como agregada – ela o esposo – em
fazendas da região de Goiânia. Além do trabalho doméstico, não foram raras as
vezes em que pegou no cabo da sem graça, para ajudar no eito.
Assim como a maioria dos que
viviam na zona rural, um dia teve que vir para a cidade, juntamente com a
família. Os filhos mais velhos, alguns analfabetos, já tinham sua colocação na
vida, mas os menores precisavam de escola e a fazenda, o meio rural, nada mais
tinha a oferecer a ela e a seus familiares, além de uma tapera para morar de
favor, sem garantia de vínculo ou trabalho.
Foi assim que um dia, em uma
carroça emprestada, fazendo várias viagens, trouxeram os poucos pertences para
um pequeno barraco que uma filha havia adquirido, após longos anos de trabalho,
reformado com ajuda de todos os filhos. Como a maioria das famílias que deixam
o campo, foi morar em um bairro da periferia de Goiânia, com todos os problemas
comuns a essas comunidades: pobreza, violência, tráfico de drogas, deficiência
e ausência de serviços públicos, etc.
Nessas periferias ocorre o
fenômeno da proliferação de pequenas “igrejas” ditas evangélicas, algumas com
nomes bizarros, que em sua maioria, alugam uma pequena sala, colocam algumas
cadeiras, um púlpito rudimentar e arregimentam algumas “senhoras”, que têm a
função de captar fiéis para o empreendimento religioso. Algumas dessas senhoras
chegam a deixar sua família de lado, priorizando o “trabalho” na igreja, vendendo
rifas, além de tentar trazer para a “sede” pessoas que possam seguir aquele
líder.
Tais entidades, muitas sem um
registro formal sequer, não tem tradição nem dirigentes formados em Teologia,
por exemplo. Na verdade, o dirigente autointitulado pastor, bispo ou até apóstolo,
é um único líder, que arvora para si procuração divina e em nome de Deus, passa
a oferecer até milagres.
Não quero aqui desmerecer o
trabalho, a religiosidade e a importância das verdadeiras, igrejas. São, e
sempre foram importantes para a sociedade. E a Constituição Federal de 1988 em
seu artigo 5º estipula como inviolável a liberdade de consciência e de
crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e
garantindo suas liturgias.
Voltando à periferia de
Goiânia, à casa da Dona Maria, por ser uma pessoa simples e que gosta de uma
boa prosa, com frequência recebe em sua casa pessoas até desconhecidas, que em
nome de algumas igrejas, tentam arrancar dela alguns caraminguás, ou até mesmo,
uma promessa de dízimo, afinal, argumentam, “ela precisa devolver pra Deus uma
parte do que recebe”.
Recentemente, ela recebeu a
visita de duas senhoras que disseram ter sido enviadas pelo líder da igreja da
esquina próximo à sua casa, e que tinham algo muito importante a dizer.
Convidadas e entrar, após um café e um suco, finalmente informaram o motivo pelo
qual estavam ali: o fulano, líder da igreja com sede mundial ali mesmo no
bairro, teria tido uma revelação do Espírito Santo e que nesse contato com o Divino,
recebera a missão de “orientar” as pessoas a rejeitarem a vacina contra a
Covid-19, que está prestes a chegar, apesar do atraso e da leniência do governo
federal.
Ora, o que se entende em um
caso como esses? Primeiramente, estão utilizando um tema recorrente, muito
atual, para arregimentar fiéis e arrancar deles dinheiro, dinheiro parco, pouco,
que mal dá para custear despesas de casa, alimentação e claro, como todos os
idosos pobres do país, medicamentos.
Dona Maria não gosta de usar
máscara, sente muito a ausência constante de filhos, filhas e netos, e ficou
muito confusa com essa informação da “presidente da comissão de mulheres” da
dita igreja.
Casos como esse só acontecem,
por causa do negacionismo absurdo do presidente Jair Bolsonaro, da sua incompetência
em gerir uma crise sanitária grave, que já ceifou a vida de duas centenas de
milhares de brasileiros – segundo números oficiais – e que a cada aparição
pública, constrange mais o povo
brasileiro e supostamente macula a instituição Presidência da República.
Tem o hábito perverso de culpar
a imprensa, algo fácil, e claro, estratégia largamente usada por ditadores de
agora e do passado. Um país livre não se faz sem imprensa livre. Felizmente, a
imprensa noticia e mostra claramente com provas a necessidade e a eficácia das
vacinas.
Uma campanha maciça de
esclarecimento à população, movida até mesmo pelos governos estaduais ou
municipais, evitaria casos como esse, onde pretensos líderes religiosos, em
busca do mirrado dinheiro de pobres aposentados, utilizam a desinformação e a
boa fé de pessoas humildes. Tal desinformação, em um momento tão difícil como
esse, pode custar vidas. E isso não seria crime?
A esclarecer!