quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

DESINFORMAÇÃO É CRIME?

 

Imagem: Pixabay


Dona Maria (nome fictício) tem 76 anos, é viúva e possui várias comorbidades, como hipertensão arterial, diabetes e obesidade. É matriarca de uma prole de vários filhos e netos – muitos ainda moram sob seu teto e dependem do minguado salário do INSS, a que fez jus por ter a maior parte da vida, trabalhado como agregada – ela o esposo – em fazendas da região de Goiânia. Além do trabalho doméstico, não foram raras as vezes em que pegou no cabo da sem graça, para ajudar no eito.

Assim como a maioria dos que viviam na zona rural, um dia teve que vir para a cidade, juntamente com a família. Os filhos mais velhos, alguns analfabetos, já tinham sua colocação na vida, mas os menores precisavam de escola e a fazenda, o meio rural, nada mais tinha a oferecer a ela e a seus familiares, além de uma tapera para morar de favor, sem garantia de vínculo ou trabalho.

Foi assim que um dia, em uma carroça emprestada, fazendo várias viagens, trouxeram os poucos pertences para um pequeno barraco que uma filha havia adquirido, após longos anos de trabalho, reformado com ajuda de todos os filhos. Como a maioria das famílias que deixam o campo, foi morar em um bairro da periferia de Goiânia, com todos os problemas comuns a essas comunidades: pobreza, violência, tráfico de drogas, deficiência e ausência de serviços públicos, etc.

Nessas periferias ocorre o fenômeno da proliferação de pequenas “igrejas” ditas evangélicas, algumas com nomes bizarros, que em sua maioria, alugam uma pequena sala, colocam algumas cadeiras, um púlpito rudimentar e arregimentam algumas “senhoras”, que têm a função de captar fiéis para o empreendimento religioso. Algumas dessas senhoras chegam a deixar sua família de lado, priorizando o “trabalho” na igreja, vendendo rifas, além de tentar trazer para a “sede” pessoas que possam seguir aquele líder.

Tais entidades, muitas sem um registro formal sequer, não tem tradição nem dirigentes formados em Teologia, por exemplo. Na verdade, o dirigente autointitulado pastor, bispo ou até apóstolo, é um único líder, que arvora para si procuração divina e em nome de Deus, passa a oferecer até milagres.

Não quero aqui desmerecer o trabalho, a religiosidade e a importância das verdadeiras, igrejas. São, e sempre foram importantes para a sociedade. E a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º estipula como inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo suas liturgias.

Voltando à periferia de Goiânia, à casa da Dona Maria, por ser uma pessoa simples e que gosta de uma boa prosa, com frequência recebe em sua casa pessoas até desconhecidas, que em nome de algumas igrejas, tentam arrancar dela alguns caraminguás, ou até mesmo, uma promessa de dízimo, afinal, argumentam, “ela precisa devolver pra Deus uma parte do que recebe”.

Recentemente, ela recebeu a visita de duas senhoras que disseram ter sido enviadas pelo líder da igreja da esquina próximo à sua casa, e que tinham algo muito importante a dizer. Convidadas e entrar, após um café e um suco, finalmente informaram o motivo pelo qual estavam ali: o fulano, líder da igreja com sede mundial ali mesmo no bairro, teria tido uma revelação do Espírito Santo e que nesse contato com o Divino, recebera a missão de “orientar” as pessoas a rejeitarem a vacina contra a Covid-19, que está prestes a chegar, apesar do atraso e da leniência do governo federal.

Ora, o que se entende em um caso como esses? Primeiramente, estão utilizando um tema recorrente, muito atual, para arregimentar fiéis e arrancar deles dinheiro, dinheiro parco, pouco, que mal dá para custear despesas de casa, alimentação e claro, como todos os idosos pobres do país, medicamentos.

Dona Maria não gosta de usar máscara, sente muito a ausência constante de filhos, filhas e netos, e ficou muito confusa com essa informação da “presidente da comissão de mulheres” da dita igreja.

Casos como esse só acontecem, por causa do negacionismo absurdo do presidente Jair Bolsonaro, da sua incompetência em gerir uma crise sanitária grave, que já ceifou a vida de duas centenas de milhares de brasileiros – segundo números oficiais – e que a cada aparição pública,  constrange mais o povo brasileiro e supostamente macula a instituição Presidência da República.

Tem o hábito perverso de culpar a imprensa, algo fácil, e claro, estratégia largamente usada por ditadores de agora e do passado. Um país livre não se faz sem imprensa livre. Felizmente, a imprensa noticia e mostra claramente com provas a necessidade e a eficácia das vacinas.

Uma campanha maciça de esclarecimento à população, movida até mesmo pelos governos estaduais ou municipais, evitaria casos como esse, onde pretensos líderes religiosos, em busca do mirrado dinheiro de pobres aposentados, utilizam a desinformação e a boa fé de pessoas humildes. Tal desinformação, em um momento tão difícil como esse, pode custar vidas. E isso não seria crime?

A esclarecer!

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