A nuvem imensa de poeira tomou conta do ponto quando o velho ônibus parou para que o menino Toninho embarcasse. Rapidamente, com um nó na garganta e um soluço entrecortado pelo pedido de bênção ao pai e à mãe, subiu os degraus e foi em direção ao fundo do coletivo, onde ainda havia lugar para que viajasse sentado.
Pouco se importou se as pessoas ali o observaram derramando lágrimas de emoção. O menino Toninho naquele momento deixava o aconchego e a segurança da casa paterna.
Sentou na poltrona e começaram as lembranças. Era a primeira vez que iria em busca da vida, do seu lugar ao sol. Assustava um pouco, pois não teria seu pai sempre do lado a orientá-lo, a guiá-lo pelos caminhos da vida.
Rapidamente reviveu os últimos anos na fazenda. A grande queimada da roça derrubada por seu pai, o primeiro plantio - trabalho difícil - na roça cheia de tocos, que rapidamente se encheram de brotos, dando muito trabalho. A desbrota era trabalhosa, mas assim que o milho cobria os tocos, diminuía o viço e não mais era necessário o serviço.
Lembrou quando pediu ao pai um pedaço de chão para plantar. Com o resultado da colheita comprou sua primeira bicicleta. Isso abriu caminho para que pudesse dar seqüência aos estudos na pequena vila. Era cansativo, mas fazia o percurso de bicicleta todos os dias sem reclamar.
Levantava às cinco da manhã, ajudava o pai a tirar o leite e ia pra escola. Depois, voltava pra fazenda, almoçava, descansava um pouquinho e ia pro eito da roça ajudar seu pai. Mas alegria mesmo era quando sobrava um tempo e ele comparecia ao campo de terra e disputava as partidas de futebol com os amigos da região.
A chuteira azul que ganhou quando do plantio da roça de tocos logo ficou apertada e não coube mais seu pé. Jogou descalço por algum tempo, aproveitou uma chuteira velha jogada fora por algum adulto até que um dia seu pai notou e deu-lhe de presente uma chuteira nova. Era preta, não tão bonita como a primeira que ganhou, mas nem por isso deixou de agradecer. Era considerado bom de bola pelos colegas da região.
A primeira vez que disputou um jogo oficial pelo time da região foi um momento de grande emoção, ainda mais que colaborou com a vitória de seu time marcando um gol. Ficou extasiado com a comemoração dos companheiros. Sequer imaginava que marcar um gol era algo tão importante assim. O menino Toninho contava então dezesseis anos. Do menino mirrado, que ajudou o pai na roça de tocos, restava apenas a humildade, a fidelidade e o respeito aos pais.
O balançar do ônibus naquela estrada esburacada e poeirenta trouxe a sua lembrança também o sorriso daquela menina-moça de vestido azul-claro, que sempre assistia a seus jogos, gritando “vai, Toninho”. Engraçado que apesar disso e de seu sorriso encantador, ele timidamente sequer se aproximara dela, vagamente sabia seu nome. Apenas sonhava enlaçando-a em seus braços.
A realidade agora seria outra. Aceitou de bom grado o convite de seu tio para que fosse morar com ele. Estudaria de noite e durante o dia trabalharia, aprenderia a profissão de armador de estruturas na construção civil.
Agora enfrentar as dificuldades e durezas da vida, que naquele momento passaria a exigir dele postura e atitude de homem. Não decepcionaria, tinha certeza. E foi pensando no sorriso meigo e encantador da menina do vestido azul-claro, que acompanhava seus jogos, que o menino Toninho partiu para a vida.
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História comovedora. Estou suspeitando que é verdadeira em pelo menos em algum sentido. Já daria um livro com capítulos inteiros.
ResponderExcluirEstá afiado em Américo?