A menina Inês acalentava um sonho: ir para a escola, como a criança que um dia viu passar pela estrada, em cima de uma carroça, com uniforme e uma pasta contendo livros.
Tinha pouca noção do que seria a escola, mas imaginava um lugar onde meninos e meninas como ela aprendiam a ler e escrever com uma pessoa bondosa e amiga que chamavam de Professora.
Somente aos onze anos deixou para trás a casa dos pais na velha fazenda para trabalhar em casa de família na cidade grande. Com isso pôde freqüentar uma sala de aula. Desnecessário dizer como se encantou. Pouco se importava com os apelidos e as brincadeiras dos colegas que riam do fato que era a maior e de mais idade da turma.
Um dia sua professora perguntou aos alunos o que seriam quando adultos. Em meio a respostas variadas a menina Inês não teve dúvidas: queria ser professora. Ante o silêncio da sala percebeu que por trás do sorriso da professora, caíra uma lágrima.
A menina Inês seguiu sua vida. Etapas importantes se cumpriram e foi ao lado do marido e da primeira filha que recebeu o diploma de Magistério. O êxito no concurso público para Professora veio em seguida. Decorrido algum tempo, com muita luta e garra venceu mais uma batalha, ao concluir a graduação como historiadora pela Universidade Federal de Goiás.
A menina Inês, sonhadora das noites insones de lua cheia, pobre e analfabeta, agora era a Professora Inês. Dedicou-se ao magistério com sacerdócio, superando com galhardia às dificuldades diárias.
Percebeu uma oportunidade de adquirir conhecimento e qualificação. O Plano de Carreira recentemente aprovado incentivava a isso. Foi com essa motivação que ao lado de outros colegas, por longos dois anos, aos finais de semana entrava em um ônibus com destino a uma cidade do interior de São Paulo. Retornava à sua casa na madrugada de segunda-feira e mesmo exausta, ia para a escola ministrar suas aulas.
Nas ultimas eleições a Professora Inês buscou opções. Recebeu a carta de um candidato, reafirmando compromissos com a educação, melhorias no plano de carreira - que já era bom - pagamento do piso salarial e outras promessas que, se implantadas trariam a Goiás grandes avanços. Achou interessante e resolveu apoiar.
Depois, veio a surpresa: ao invés de alguém com reconhecida atuação e notável saber em educação, viu nomeado um Secretário vindo da área política, um Deputado Federal eleito que mudara de lado. O novo Secretário não perdeu tempo: ocupou espaços na mídia e com muita pirotecnia, prometeu fazer uma revolução na educação. Goiás seria a partir de agora uma potência educacional?
O fim do Plano de Carreira e as promessas não cumpridas levaram a Professora Inês pela primeira vez à greve. Tanto lutou e se preparou, mas repentinamente viu que nada disso teve valor. Sentiu ser apenas mais um número da Secretaria da Educação de Goiás
A negativa de diálogo, afirmações que deveria voltar imediatamente ao trabalho, ameaças duras e materializadas no corte de ponto trouxeram uma preocupação: como será o futuro da educação? O que será daqui para frente? Adolescentes na fase pré-vestibular terão estímulo para buscar licenciaturas e a carreira de professor?
A Professora Inês vê com tristeza o massacre aos seus pares. A revolta dos colegas de professorado é grande. Ameaças diretas da diretora, antes tão cordata, tendo sido eleita pela comunidade a fazem se perguntar e compreender tardiamente, que pode ter escolhido o caminho errado ao se tornar Professora. Difícil aceitar que de agora em diante ser professora cada vez mais se distancia de sacerdócio, passa a ser contagem regressiva de tempo para se aposentar. E ficar livre de ameaças, terrorismo, assédio moral.
Felizmente, governos e Secretários passam. E como diria Rui Barbosa, embora momentaneamente pareça que “triunfarão as nulidades... agiganta-se o poder nas mãos dos maus...” isso mudará. Que isso mude logo. É o sonho premente da menina-professora Inês.
Que linda história, Paulo. E triste também. Realmente não dá para entender essa estratégia da Secretaria de Educação. Como se para resolver os problemas tão complexos que essa área há anos acumula, o caminho fosse mexer em um dos pontos onde menos se poderia: o incentivo à qualificação, ao aperfeiçoamento.
ResponderExcluirParabéns pelo texto. Parabéns à Inês pela luta, que ela saiba sempre que a sociedade reconhece e admiria a grandeza do trabalho dela.
Caro mestre e escritor goiano;
ResponderExcluirPartilho contigo a dor da não valorização da sua Inês, e de tantas Inês que entoam, em conjunto, essa mesma cantiga da falta de salário à altura da função.
"Ante o silêncio da sala percebeu que por trás do sorriso da professora, caíra uma lágrima." Provavelmente a professora, pressentira o quão mais difícil ficaria a função. Tal como vosso pai, Escritor Goiano, professor e sofredor que, insistentemente, venceu através do cansaço, a negativa da instalação de uma escola na zona rural, onde moravam. Conforme narrado em crônica anterior de vossa ilustre lavra.
Mas tenho fé que, vossa Inês e demais professores de Goiás, serão valorizados por esse governo. É o meu desejo!
Abraço fraterno do vosso aprendiz em vossa Inês e em todas Inês do nosso Goiás!
Reinaldo Bueno