Depois de ansiosa espera, com as famosas pancadas previstas e não
acontecidas, a chuva finalmente deu o ar da graça. Chegou depois de uma manhã
de sol, de canto de pássaros e leve brisa vinda do norte.
As nuvens negras em movimento tinham um ar assustador, mas, depois de um
vento forte, as gotas de agua vieram, firmes e grossas, para escorrer a poeira
e a fuligem das arvores que embelezam nossa cidade.
Forte no inicio, e aos poucos ficando calma, a benfazeja irmã-chuva
acalentou o sono. Com ela, a noite transcorreu mais tranquila. Impossível não
dormir bem, desejando que a madrugada permanecesse e o dia demorasse a vir.
Ao levantar, diante dos primeiros raios de luz fui até a varanda e observei
o quintal. Estava molhado e a terra, parecia agradecer a generosidade da
presença da chuva que continuava a cair.
Alguns pássaros mais animados saíam de seus ninhos e ensaiavam voos
curtos, como a saudar a presença de tão importante momento da vida.
Ao olhar para o pé de goiabas, carregado de frutos ainda pequenos, recém-saídos
das flores, eu me senti na infância.
Me vi menino, quando sob o sol ameno das manhãs de primavera da Fazenda Nova
América, montado em pelo no velho e manso cavalo, saia a buscar frutas no pasto
e nas matas que ficavam por perto.
Antes de sair, recebia as recomendações de minha mãe, para que tivesse
cuidado que e não demorasse. E ainda que passasse na casa da minha avó e
trouxesse um requeijão que havia sido feito na véspera.
Era tudo o que eu queria. Apesar de muito pequeno, poder sair pelo campos
em busca de cajus, guarirobas, cocos de tucum, muricis, guapevas, mangabas,
mutambas, ingás e, claro, goiabas: das vermelhas e das brancas, que eram doces
e grandes.
Era generosa a natureza. Não precisava ir longe e logo estava com as
pequenas sacolas de pano, os embornais - que naquele tempo chamavam também de
capangas - cheias, quase derramando. E ao pé de cada fruteira me deliciava. Para
logo buscar outra espécie, outro sabor da terra.
Depois desses momentos, cumprir a obrigação, atender ao que pedira minha
mãe. Então ia até a casa de minha avó. Era uma alegria imensa. Vovó era amável,
meiga e generosa, e me recebia com amor e carinho. Após tomar-lhe a benção, ela
me abraçava, trazia ao colo e me cobria de beijos carinhosos.
Depois me levava à ampla cozinha, e eu, embora sem muita fome ou vontade,
face à fatura que acabara de degustar no mato, me servia de doces, pães de
queijo, bolachas caseiras e tudo, com aquela dose de encanto e carinho que
vinha através de seu olhar.
Chegava a hora de voltar para casa. Pedia novamente a bênção e depois de
ouvir um “Deus te faça feliz”, deixava o cavalo com a rédea solta, pois ele, mansinho,
sabia o caminho de volta.
No caminho, passar no canavial e arrancar umas duas ou três canas para
garantir o lanche da tarde. Era uma infância feliz e rica.
A chuva que veio nessa primavera, me trouxe essa saudade, essas lembranças.
Saudade de um tempo que embora não volte, está bem presente, bem dentro de mim,
no meu coração. Meu coração, que ainda, é menino.