segunda-feira, 28 de outubro de 2024

A CAÇADA DA ONÇA E O TAMANDUÁ ATIRADOR



Quem conta esta é o Valdir, morador de Luiz Alves, na beira do Araguaia e frequentador da região do Rio das Mortes no estado do Mato Grosso. E se alguém duvidar do “acontecido”, pode ir lá e perguntar a ele. Lembro que Valdir é um homem de respeito, muito trabalhador e jamais se prestaria a contar algo que não fosse verdade. Talvez, no máximo, tenha suprimido um ou outro detalhe e acrescentado outros, pelo tempo que o fato ocorreu, mas tudo o que narrou é a mais absoluta verdade.

Disse o Valdir:

A minha Cumade Telvina andava incomodada com uma onça que tava atacando os bezerros já fazia alguns dias. E todo mundo sabe que onça quando acha presa fácil e não é combatida, o prejuízo tende a aumentar e muito.

Mas onça é bicho traiçoeiro, não pode ser uma pessoa só para ir em busca dela. Tem que ser conhecedor do assunto e ir bem armado de zagaia, uma boa catervagem de cachorro daqueles que não têm medo do ronco da bruta. Cachorro mufino nem atravessa a pinguela do corgo quando fareja onça. Ou fica onde está ou volta correndo pra casa. Na verdade, o trem é mesmo de dar medo.  

Mas, caçador de onça naquela região do sertão bruto era difícil. Tinha uns que ficaram famosos, mas eram difíceis até de encontrar, pois sempre estavam “a serviço” de fregueses distantes, e com frequência se deslocavam para outras regiões para fazer seu serviço. Outros, estavam vivendo de passado, enchendo o pandu de cachaça nos botecos.

Primeiro, ela falou com seu marido, o Cumpade Zé de Anaia, que tentou desconversar:

— Ah, muié, larga esse trem, onça é bicho perigoso e nóis num tem nem cachorro que presta. Logo essa marvada vai embora e deixa os bezerro em paz. E parece que ela só anda pegano bezerro gabiru das lonjura, daquele gado que num vem nem perto do curral. Larga disso.

Ao ouvir a resposta do marido, Cumade Telvina botou as mãos nos quartos e disse:

— Ora, ora, larga de ser medroso, mufino, Seu Zé. Se você não quer, eu dou um jeito sozinha. Quer saber? Vou já na fazenda da Cumade Ana e peço pro Cumpade Valdir ir comigo. E se você tem medo de onça, eu não tenho não. Arreia minha égua que tô de saída. E se você num quiser vim junto, num vem.

Cumpade Zé deu uma chupada no cigarro de palha apagado, olhou pra Cumade e viu que não tinha jeito. Tinha que ir mesmo. Sua esperança era que minha véia e eu a convencêssemos que essa história de caçada de onça era pra quem entendia muito do assunto.

Era dia de domingo e eu tinha acabado de almoçar. Minha véia tinha feito uma panelada de canela amarela daqueles taludos e eu, que tinha tomado umas duas – ou mais – da boa, entrei. Me fartei, pois o tempero da patroa era bão demais. Depois, o jeito foi "caçar" uma rede debaixo do pé de manga e puxar uma paia.

Passou um tiquim que eu havia deitado, tava ainda meio cochiloso e escutei o latido dos cachorros. Pensei: deve ser algum bando de macacos por perto. Mas, quando o Malhado latiu, vi que era gente chegando. Malhado era um cachorro muito inteligente e que nunca latia à toa. Pensei comigo, sem tirar o chapéu de cima da cara: isso é hora de chegar visita? Espero que não seja o compadre João Crente, que sempre chega em hora inoportuna com aquele mundão de livro e se põe a tentar convencer a gente a bandear pro lado da religião dele.

Fiquei quieto, esperando que fosse gente de passagem na estradinha perto da minha casa, mas logo ouvi minha patroa fazer aquele barulho de festa quando chega gente conhecida em casa. E eu do jeito que estava, fiquei. Só ajeitei mais o chapéu pra que pensassem que eu estava mesmo dormindo.

Mas de nada adiantou, não teve jeito: logo escutei o grito de Siá Ana, minha véia:

— Valdir, vem cá, Cumpade Zé e Cumade Telvina tão aqui.

Vixe, pensei, para eles virem aqui a essa hora do domingo, aconteceu alguma coisa grave. O jeito era levantar. E meio contrariado, respondi:

— Já vou.

Dei umas duas espreguiçadas e sem opção, me dirigi pro lado de casa, não sem antes enviar um olhar de tristeza pra rede: estava numa preguiça tão boa...

Cumade Telvina era daquelas mulheres inquietas. Falava alto e rápido. Assim que cheguei, logo depois que a cumprimentei, ela já disse:

— Cumpade, vim aqui pro senhor ir junto com o Zé caçar uma onça que tá pegando meus bezerros.

Eita, aí lascou tudo. Eu já tinha recebido tudo quanto é pedido pra fazer as coisas para os outros, mas caçar onça era a primeira vez. E o pior: a Cumade no pouco tempo que estava lá em casa já tinha convencido minha véia.  Meio ressabiado, dei uma olhada pro Cumpade Zé, que desviou o olhar para o chão, meio que querendo rir, mas veiaco com a possível reação da mulher. Minha veia disse:

— Meu véi, vocês nem precisam matar a onça não, é só passar um medo nela que logo vai embora. Só está reinando nos bezerros porque acha que não tem gente por perto.

Ora se onça é bicho de “passar medo”, pensei. Quando a bicha tá com fome ataca o que tem e se acha fácil, fica naquele oitão de mato pro resto da vida.

— Mas minha veia, nóis num tem nem arma, nem zagaia, nem nada. E esses cachorro daqui, se farejar o cheiro de uma onça, nem entra no mato.

Mas a Cumade já tinha a solução:

— Tem os cachorro do finado Jacó, é só ir lá pedir pra viúva Carmezina que ela empresta.

Aí eu vi que não tinha jeito mesmo. Ainda tentei argumentar:

— Mas, e as armas? Espingarda de repetição nós não temos, só de encher pela boca...

Aí, minha véia acabou com meus argumentos:

— Tem aquele revólver que foi do meu pai e a Garrucha Mão de Égua.

Aí que danou tudo: onde já se viu caçar onça com revólver e garrucha... De verdade tinha mesmo essa garrucha e o revólver que fora de meu finado sogro, só que tinha uns cinco anos ou mais que eu não punha a mão nele. Devia estar pura ferrugem. Já a Mão de Égua, vez em quando eu dava uns tiros com ela, mas era “de vez em quando”, pois eu não gostava de arma pequena. Devia estar igual ou pior que o revólver.

Preferi não contestar. Fazia dó a cara da Cumade Telvina, e minha véia, besta que era, se deixou levar por ela. Era ir pra cima dessa onça fosse como fosse, ou, para o lado que a Cumade dizia que ela estava, pra não ficar feio pra mim em casa. E até torcer para não encontrar a bicha braba.

Resolvemos que iríamos no outro dia pela manhã. A Cumade Telvina, ansiosa que era, ainda disse que dava tempo de ir hoje, pois onça não caça de tarde, devia estar até dormindo. Como se ela entendesse de caçar onça... Mas bati o pé e disse que hoje eu não iria, pois tinha almoçado muito e bebido umas talagadas de pinga, além do mais, precisava descansar, pois na semana que passou eu trabalhei no serviço pesado, consertando e refazendo algumas cercas e tava com o corpo todo doído.

Falei isso olhando direto pra minha véia, que me conhecendo bem, sabia que de jeito nenhum eu iria naquela tarde de domingo. E além disso, era preciso ir na viúva do finado Jacó, arrumar os cachorros e preparar as armas. Percebi que a Cumade Telvina não ficara satisfeita, mas para ela, não tinha outro jeito. Era pegar ou largar. Ainda procurou com um olhar incisivo e desafiador o Cumpade Zé de Anaia e ele todo sem graça olhava pro chão. Então, disse que era melhor mesmo deixar para o outro dia.

Dei mais umas duas espreguiçadas, fui no pote de água e bebi duas canecas cheias e buscando coragem onde eu não tinha, me pus a planejar a aventura da “Caçada de onça”. Rapidamente tracei um plano.

Nesse momento, Cumade Telvina já tinha montado na sua égua mansa e com a desculpa de fazer uma visita de pêsames se dirigiu para a casa da Carmezina, viúva do velho Jacó.

Chamei o Cumpade na casinha de guardar ferramentas e onde a gente cortava porco quando matava, pois lá dentro das fornaia eu tinha umas garrafas de pinga amoitadas. Aproveitei que estávamos sozinhos e expliquei meu plano a ele.

Disse em poucas palavras que a gente ia caçar a onça, mas não ia caçar a onça era nada. Eu sabia que os cachorro do finado Jacó já estava tudo desacostumado com esse negócio de caçar e conforme o resultado da visita da Cumade na viúva, era melhor nem levar.

Falei para o Cumpade como a gente ia fazer:

  Óia, Cumpade, a gente arreia os cavalos, vai até aquela Gameleleira assombrada, deixa os cavalo lá perto e entra um pouco dentro da mata, onde tem uns pé de Murici que depois dessas chuvas está tudo carregadin. E tudo madurin, madurin, que dá gosto. Depois, é só nóis dá uns tiros por lá e já volta logo, trazendo Murici pra colocar nas pingas e uns Pequi pra fazê com frango.

A gameleira que diziam ser assombrada ficava na entrada do talhão de mato e perto dela tinha uns pés de pequi erados, que davam frutos sadios e carnudos. Dava tudo certinho.

Veiaco e medroso, o Cumpade deu uma risadinha sem graça, tomou mais um gole de cachaça, preocupado se o melhor não era caçar mesmo a onça, pois a Cumade Telvina poderia desconfiar de nossa maçada.

Eu logo o desanimei:

— Ora, Cumpade, deixa de cisma, homi. Ela vai ficar é quieta, sabe que onça é bicho ladino e que com meia dúzia de vira-latas velhos e magros não adianta ir atrás.

Nessa hora, o Cumpade tava mais interessado em tomar outro gole, antes que a Cumade chegasse. Acertamos de sair na manhã seguinte quando o sol começasse a esquentar, depois de “tirar o leite”.

Taquei umas pingas boas nele, na esperança que amanhecesse de ressaca e desistisse da empreitada, pois eu havia dito que sozinho não iria. Mas, logo a Cumade Telvina chegou, deu uma olhada de soslaio para o Cumpade Zé, que deu um jeito de esconder o “cu de burro” onde tava bebendo da boa cachaça. E assim que a Cumade saiu de perto ele jogou o resto fora, não sem antes olhar com tristeza aquele desperdício. Aquela era mesmo uma pinga muito boa, que fazia tempo que estava guardada.

A Cumade voltou com a cara meio fechada dizendo que os cachorro do finado Jacó que sobraram – muitos morreram – foram dados a um cunhado dela, mas mesmo assim teríamos que ir, só que com os cachorros que tínhamos. Achei foi bom, pois além de não ter que passar na viúva Carmezina pra buscar a tal catervagem, seria mais fácil na hora de voltar. Falei para ela que não se preocupasse, bastava que o Cumpade trouxesse um cachorro dele e eu levaria o fiel e destemido Malhado, cachorro bom e obediente. Se um ou outro dos meus nos acompanhasse, tudo bem, pois eu sabia que quando nos distanciássemos eles desistiriam.

Aliviada, Cumade Telvina se despediu, não sem antes dizer que se eu quisesse, daria tempo de ir naquela tarde ainda. Fiquei foi calado....

De noite, depois que rezamos o terço e fomos deitar, notei que minha veia tava com ar preocupado. Não dei muita conversa, mas ela não resistiu e meio chorosa disse que arrependeu de ter concordado com a Cumade Telvina. Depois que ela foi embora, começou a se preocupar. Achava perigoso demais eu e o Cumpade Zé, dois homens sem experiência em caçada de onça. Procurei tranquilizá-la, dizendo que eu já tinha planejado como fazer, que daria tudo certo. Senti naquele instante uma certa ternura em seu olhar. Minha veia – Siá Ana – sempre esteve do meu lado, onde e como eu estivesse.

No outro dia cedo como de costume levantei para ir tirar o leite e quando ela foi levar café no curral para mim, disse que faria uma matula bem reforçada para mim e outra para o Cumpade. Concordei, pois imaginei que a Cumade Telvina não tivesse esse expediente de zelar do Cumpade Zé e ele, preguiçoso como era, bem capaz de não trazer nada.

Terminei de tirar o leite e fui arrumar minha traia. Quando peguei o revólver e a garrucha Mão de Égua vi que aquelas duas armas não teriam futuro na empreitada. Tavam que era pura ferrugem. No revólver o tambor onde se colocavam as balas não abria e a Mão de Égua com muito custo consegui destravar. Mesmo assim, tentei dar uma melhora, mas pouco ou nada adiantou. Não falei nada para minha véia, apenas coloquei na capanga e fui afiar meu facão – esse sim, eu sabia que não falhava nunca. Coloquei na cintura uma peixeira embainhada e bem afiada do meu uso e fui em busca de uma vara de guatambu, para que fizesse à maneira de uma zagaia – vai que a gente dava de cara com a tal onça.

Cumpade Zé chegou e foi dito e feito: como eu previra ele não trouxe nada pra merendar. Ainda bem que minha véia lembrara dele. Aquele coitado piava fino, sofria igual piolho na unha da Cumade Telvina.

Junto com as matulas coloquei meio escondido uns quatro sacos de aniagem e uma garrafa de pinga de engenho da boa. Chamei o Malhado e ele entendendo que a gente iria sair pra longe, se colocou ali perto de onde eu estava. Também apareceram e deram a ideia que nos acompanhariam dois viralatinhas do terreiro: Sabugo e Cupim. Eu sabia que esses dois logo desistiriam da viagem. Cupim era mais velho, mas Sabugo, que aparecera filhote na porteira da fazenda e fora adotado por Siá Ana, era corajoso e aprendia a cuidar do terreiro junto com o Malhado. Eram inseparáveis.

Finalmente, depois de ultimados os preparativos, montamos a cavalo e saímos com o sol já ardendo nas costas. A manhã estava bonita e o verde das capoeiras e pastos estava de encher os olhos. Já fazia uns quarenta dias que as primeiras chuvas vieram e de uma hora para outra a sequidão e o tom amarelado e cinza da vegetação deu lugar a um verde de várias tonalidades e muito vivo.

Apesar de estarmos no meio da manhã o ir e vir dos pássaros chamava a atenção. Lembrei que estávamos em plena primavera e os animaizinhos iam em busca de seus parceiros e parceiras para acasalar. O milagre da vida e da perpetuação das espécies acontecendo.

Cumpade ia calado, imaginei que fosse ressaca. Com mais de hora de viagem paramos em um pequeno córrego para beber e dar água aos animais que pelo calor que estava suavam bastante e claramente demonstravam estar com sede. Tive a certeza da ressaca do Cumpade quando ele deitou de bruços na beira do regato, molhou primeiro o rosto e depois a cabeça e sorveu demoradamente a refrescante e límpida água.

Ao levantar, perguntei se queria algo pra comer e ele disse que sim. Entreguei a marmita que Siá Ana fizera para ele, que me agradecendo, disse que não conseguiu comer nada cedo, pois amanhecera com o estomago ruim. Para não perder a piada ofereci um gole de pinga, mas ele fazendo uma careta, recusou de mediato.

Voltamos a nossa jornada e em pouco tempo avistamos ao longe a imensa gameleira que diziam ser assombrada, seguida do talhão de mata onde segundo a Cumade Telvina estava se escondendo a onça.

Essa mata, virgem e intocada, ficava nas terras do Cumpade e fazia divisa com as minhas. Era um lugar bonito, terra de cultura de primeira, com inúmeros e centenários pés de Jatobá, Tamboril, Cabreúva, Aroeira e outras grandes e imponentes árvores e rodeada por um pequeno cerrado onde prevaleciam os ipês, agora em suas últimas flores. Dava gosto apreciar aquilo tudo. Lá dentro havia duas nascentes que curiosamente corriam para lados distintos e formavam cada uma um córrego que ao longo do percurso recebiam água de pequenos regatos. Desses córregos, um ia para a propriedade do Cumpade Zé e outro para a minha. Chegamos na gameleira assombrada e apeamos dos cavalos. Dos cachorros que vieram apenas o Cupim desistiu no meio do caminho. Malhado e o pequeno e animado Sabugo nos acompanharam. Cumpade havia combinado de trazer um cachorro seu, mas não sei se esqueceu ou se não quis trazer. Resolvi nem perguntar, afinal, a gente não iria precisar mesmo...

Afrouxamos os arreios, tiramos a brida dos cavalos para que pastassem a grama verdinha do lugar e deixamos eles amarrados com uma corda longa, o que permitia que se movimentassem em curta distância.

Pequei os sacos que trouxe, entreguei um juntamente com o revólver pro Cumpade Zé que o colocou na cintura sem sequer olhar para a arma; e fomos em busca de Pequis e Muricis. Onça? Nem lembrávamos mais...

Combinamos que cada um iria para um lado para render o serviço de cata de Pequis e de Murici mas não ficaríamos muito longe um do outro. Estranhei que os cachorros acompanharam o Cumpade – Malhado não costumava se afastar de mim. Depois de tomar uma boa talagada, fui em busca do verdadeiro objetivo que me fizera deixar meu trabalho na fazenda e ir até ali: pequis e muricis.

Passando algum tempo, quando eu me refestelava com os frutos doces de um pé de Murici, escutei foi o pampeiro. Uma algazarra danada dos cachorros e gritos do Cumpade. Pensei alto comigo:

— É a onça!

Corri para o lado onde estava o barulho e ao me aproximar, vi o Cumpade e o Malhado tentando livrar o Sabugo das garras de um imenso Tamanduá Bandeira. Cumpade, certamente tentou atirar, mas o revólver, como eu sabia, não prestou. Restou a ele a opção de se aproximar do bicho, que insistia em abraçar mortalmente o pobre do Sabugo e bater o cabo do revólver no focinho do enfurecido Tamanduá. Naquele momento, talvez a única utilidade que poderia ter.

Sei que o tal Tamanduá deu um tapa para o lado do Cumpade, soltou o Sabugo que saiu ganindo alto e no gesto de volta quase rasgou a mão dele, quando passou as potentes garras no dito revólver e no ato tomou a então inútil arma das mãos dele. Porém, com a fúria que estava e o revólver preso nas garras o Tamanduá certamente apertou a arma e pela força que fez no gatilho, girou o enferrujado tambor e disparou um tiro que por pouco não acerta um de nós.

O barulho assustou o Cumpade, os cachorros e o bicho, que saiu em desabalada carreira quebrando tudo quanto é mato que aparecia à sua frente e a cada dois ou três pulos que dava em sua fuga disparava um tiro. Se contassem para mim, eu nunca acreditaria nessa cena: um tamanduá imenso, bravo, assustado, correndo e disparando bala pra todo lado.

O jeito foi esconder por trás de uma árvore que havia nas imediações, ato seguido pelo Cumpade Zé. Quanto mais corria, mais o bicho disparava o revólver. Até que parou, sinal que tinha soltado o revólver das garras ou acabado as balas.

Saímos no encalço do rasto do Tamanduá pelo “trieiro“ por onde ele tinha passado, mas nem sinal do revólver.

Pronto: tínhamos agora uma onça que comia bezerros e um Tamanduá armado.

Vi que a atitude do Cumpade salvara o pequeno e corajoso Sabugo, que recebera das unhas do Tamanduá dois cortes, felizmente não muito fundos, um nas costelas e outro na pá. Apesar de assustado, logo estaria bom. Como eu tinha sal na capanga, apesar de seus veementes protestos, passei na ferida, com o intuito de evitar infecção. Quando chegássemos à fazenda eu aplicaria antibióticos e antibicheira.

Ainda andamos pelas redondezas em busca de rastos da onça, mas nada encontramos. Fizemos isso com a certeza que com o barulho dos tiros disparados pelo Tamanduá a possibilidade de a danada estar ali perto era praticamente zero.

Mas o que falar em casa? Não matamos a onça e ainda perdemos o revólver. Sem contar que voltávamos cada um com dois sacos cheios de pequi e Murici. O jeito foi combinar com o Cumpade duas coisas: primeiro, que a gente tinha perdido o revólver quando os cachorros acuavam a onça. E depois que a história do Tamanduá atirador ficasse só entre nós, afinal, ninguém iria acreditar mesmo.

Aproveitamos o restante do dia e pegamos uma boa quantidade de Pequi e Murici e no meio da tarde, ainda a tempo de apartar os bezerros, chegamos à sede da fazenda.

Como combinado, contamos nossa versão da história

O fato é que nunca mais se ouviu falar de onça comendo bezerro naquele lugar. Acho que a danada viu a coragem do Tamanduá e resolveu migrar para lugares menos perigosos. Afinal, se onça tem medo de Tamanduá, imagina armado com um revólver calibre 38.

Mas bom mesmo foi com o passar dos dias, ouvir a Cumade Telvina gabar a coragem do Cumpade Zé, seu marido, que havia botado uma onça muito perigosa pra correr na unha e com um revólver velho e enferrujado. Aliás, às vezes ela dizia que achava mesmo era que ele tinha era matado a onça e não queria contar a história toda pra ela.

 



Outubro 2024.


 

  

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA: DEFINIDOS OS CANDIDATOS A PREFEITO E VICE E VEREADORES


As agremiações políticas de São Miguel do Araguaia realizaram na noite desta segunda-feira (05) suas convenções visando a confirmação dos candidatos a Prefeito, Vice-prefeito e Vereadores que concorrerão às eleições de 2024.

Após uma movimentada pré-campanha, apenas dois candidatos disputarão a cadeira de prefeito: Jeronymo Siqueira Neto (PL) que traz como candidato a vice-prefeito o médico Dr. Natanael Martins Coelho e Jadir da Farmácia (UB) tem como companheiro de chapa o atual Vice-Prefeito, Pastor Eduardo Seabra.

Com a polarização entre as duas candidaturas, presume-se que será uma eleição bastante concorrida, com os candidatos buscando a vitória voto a voto.

A atual prefeita, Azaíde Borges esteve presente na convenção que confirmou Jadir da Farmácia e Pastor Eduardo Seabra, inclusive compondo a mesa.

Até o fechamento dessa matéria ainda não tínhamos os nomes dos candidatos a vereador confirmados pelas coligações. Oportunamente divulgaremos,

 

 

 

  

domingo, 4 de agosto de 2024

VALEU, TIBÁ

 

 



Último registro dos irmãos juntos, em Silvânia no final dos anos 1990. Da esquerda para
a direita: Tibá, meu pai Nezinho, Tio Américo (Timerquinho) e Tio Elias. Saudosa memória. 

             

                Soube nesta noite quente de sábado inverno da passagem de Tibá – cujo nome era Francisco Américo Araújo – meu tio, o mais novo dos irmãos do meu saudoso pai.

                Tibá morava na cidade do Rio de Janeiro, na Ilha do Governador e durante sua longeva existência sempre foi um homem de bom coração e muito devoto a Deus. Minha convivência com ele foi pouca, mas guardo comigo muitas lembranças, principalmente dos tempos da infância, quando ele vinha nos visitar na querida Fazenda Nova América, onde moravam meus pais e meus avós.

                Tibá, militar da Força Aérea Brasileira, entendia muito de eletrônica. Soube que depois que passou para a reserva, ainda foi trabalhar em uma fábrica de radares ligadas à própria Aeronáutica.

                Muito divertido, era sempre alegre, tocava violão muito bem e adorava canções de Bossa Nova. Quando aparecia na fazenda, além das brincadeiras com meu pai e dos banhos de riacho, por entender bastante de eletrônica, em um tempo em que um rádio tinha imensa importância por ser o meio de comunicação mais popular e abrangente, ele sempre dava jeito nos velhos e carcomidos aparelhos das pessoas vizinhas. Se estava estragado, consertava, se estava mais ou menos dava uma sobrevida.  Nunca deixava um rádio, por mais estragado ou velho que fosse, sem “falar”.

                Uma das últimas lembranças que tenho dele foi quando ele visitou meus pais que à esta época moravam em Silvânia. Logo após o Jornal Nacional que meu pai tanto apreciava ele nos chamou para rezar o Santo Rosário, uma de suas devoções.

                Valeu, Tibá. Siga em paz!


Paulo Rolim

                  

 

quinta-feira, 20 de junho de 2024

"TINHA UM SONHO: IR PRA NOVA IORK..."

 


Imagem retirada da internet.


A partida do sertanejo – outrora "cantor internacional" de estilo romântico – Chrystian me faz ir a diversos e marcantes instantes da vida.

Desde a adolescência, na pequena e querida São Miguel do Araguaia até momentos de começo de vida a dois, em pequenas e agradáveis viagens no primeiro carro – um fusca 1977 – com minha pequena filha que em sua alegria e felicidade de criança curtia os movimentos da estrada, e logo adormecia no banco de trás.

Na pequena e saudosa São Miguel do Araguaia, antes da explosão da MPB de Zé Ramalho, Amelinha, Zé Geraldo, Belchior e outros, ouvíamos canções românticas “internacionais” do Grupo ABBA, Bee Gees, The Marmelade, Afrodite’s Child e de uma leva de cantores que cantavam em inglês, que depois soube-se que eram brasileiros.

Esta estratégia foi um investimento da indústria fonográfica do Brasil e países latino-americanos que deu certo. Cantores como Morris Albert, Terry Winter, Pete Dunaway, Steve Maclean, Michael Sullivan fizeram grande sucesso. Alguns ficaram pelo caminho, praticamente no anonimato, pois contratualmente sequer podiam cantar em português utilizando seu nome artístico. Mas alguns continuaram e se consagrariam em suas carreiras, como Fábio Júnior, Jessé e Chrystian (ao lado do irmão Ralf).

As canções em inglês que Chrystian cantava fizeram parte de minha adolescência. Era momento de descobertas, de início e de vivência de emoções. O coração começava a dar seus primeiros passos em afetividade e amor. Impossível não lembrar dos bailinhos de sábado à noite onde timidamente dançava-se de rosto quase colado com aquela menina que causava batidas mais fortes no coração.

Ou das serenatas feitas com toca-fitas nas janelas das pretendidas que quase sempre eram motivo de comentários, além de suaves e ternos sorrisos direcionados quando das reuniões do grupo de jovens no Salão Paroquial, após a missa das manhãs de domingo.

Chrystian gravou baladas de fácil tradução, com letras que traziam histórias, decepções (Lies é um exemplo) que caiam bem aos ouvidos e enlevavam a alma.

O tempo passou e em uma manhã de domingo do ano de 1983, no programa Som Brasil da Rede Globo – durante muitos anos, ao lado da Fórmula 1, audiência obrigatória dos brasileiros – vejo o Mestre Rolando Boldrin anunciar uma nova dupla: Chrystian e Ralf, O primeiro eu reconheci, mas o segundo não, embora depois eu soubesse que ele também fizera parte do grupo de cantores de sucesso “estrangeiros” dos anos 1970.

A afinação da dupla era algo de extraordinário e a carreira explodiu em incomparável sucesso, em grandes momentos da música sertaneja que à essa época já tinha ares de modernidade tecnológica e artística. Milhões de discos vendidos, shows em todo o Basil, na Europa e nos Estados Unidos da América.

Para mim, algumas canções da dupla se tornaram icônicas. Nova Iork, de 1989 (Essa é a história de um novo herói...), a emocionante e profunda Mia Gioconda (1996) uma regravação de um clássico de Vicente Celestino, originalmente gravada em 1946 e que fez parte da novela O Rei do Gado da Rede Globo, que tinha como protagonistas Antônio Fagundes, Patrícia Pilar, Raul Cortez e Glória Pires. E o clássico poético-musical de Chico Buarque e Pablo Milanés Yolanda – que chamo à atenção para o registro em DVD, facilmente encontrável no YouTube, em que eles são acompanhados por uma orquestra.

Nesse momento de tristeza e despedida de um artista, impossível não recordar as viagens no velho e eficiente Fusca, em direção ao norte goiano. Quando parávamos nos postos de combustível ou lanchonetes à beira da rodovia, de imediato vendedores ambulantes ofereciam fitas cassete gravadas. E dentre estas fitas, sempre havia uma de Chrystian e Ralf, e a canção preferida era Nova Iork.

“Essa é a história, de um novo herói...” Ou: “Tinha um sonho: ir pra Nova Iork, levar a namorada...”

Descanse em paz, Chrystian!

Obrigado por sua arte e talento!



quarta-feira, 17 de abril de 2024

SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA: DONIZETH ALVES É O NOVO SECRETÁRIO DE TURISMO


Donizeth Alves da Silva

A Prefeita de São Miguel do Araguaia Azaíde Borges confirmou na manhã desta quarta-feira (17) a nomeação do empresário Donizeth Alves da Silva como novo titular da Secretaria Municipal de Turismo, em substituição a Valmir Pereira da Silva, que se desincompatibilizou para pleitear uma candidatura à Câmara Municipal.

Donizete Alves, que até pouco tempo atuava no comércio varejista de produtos farmacêuticos, possui larga experiencia no setor público – foi Secretário Municipal de Saúde da vizinha Novo Planalto por dez anos – além de dois anos como parlamentar na câmara municipal daquela cidade, e é um entusiasta do turismo sustentável e de preservação.

Segundo Azaíde Borges, a escolha do nome se deu pela sua elevada competência e comprometimento, além de ser um nome respeitado pelas entidades empresariais, sociais e religiosas.

São Miguel do Araguaia, situada na região do Vale do Araguaia e tem o turismo, ao lado do agronegócio, como um de seus pilares econômicos. No mês de julho ocorre a famosa “Temporada do Araguaia”, quando o município, tendo como porta de entrada o Povoado de Luiz Alves, recebe milhares de turistas vindos de todo o país em busca das praias de areias brancas e tranquilas e da pesca esportiva.

A posse do novo secretário será na próxima segunda-feira, em horário a confirmar.

 

 

Pesca esportiva da Piraíba no Povoado de Luiz Alves
Imagem: divulgação. 

 

 

domingo, 31 de março de 2024

SOBRE A EXISTÊNCIA

 

 

O goleiro José Américo (Tiê) em 1972 no time
do Ginásio Anchieta. Último à direita, de camisa preta.


A escalação do time.


Nas primeiras horas deste Sábado de Aleluia, meu irmão José Américo (Tiê) fez sua Páscoa. Depois de longos anos de calvário e sofrimento, após o brutal acidente que o vitimou deixando-o inconsciente sobre uma cama para sempre, ele parte para a Casa do Pai.

Por ser mais velho, ele sempre foi minha grande referência e sempre fui seu grande admirador desde a mais tenra infância.

Estão muito presentes em minha memória afetiva as conversas de meus pais, tendo como fundo musical a alegria do rádio, à luz do candeeiro nas noites quentes da saudosa Fazenda Nova América, quando diziam:

— Tiê chega semana que entra.

 Ao ouvir isso, eu me enchia de expectativas. Embora eu fosse muito menino, era sempre esperada a presença de meu irmão, quando ele vinha para as férias escolares.

Tiê, como o chamávamos, estudava no Ginásio Anchieta, na distante e centenária Silvania e vinha uma vez por ano passar as férias em casa. Talvez pela distância e pelas dificuldades de transporte, nem sempre era possível passar as férias de julho, vindo apenas ao final do ano.

Lembro como hoje, quando em um fim de tarde eu estava com meu pai tomando banho de riacho, e começamos a ouvir uma pessoa assoviando alto na direção da estrada que vinha da casa do meu avô e que dava acesso à cidade de Araguaçu.

Papai levantou a cabeça e ao ouvir novamente os assovios, abriu um sorriso e disse:

— É Tiê.

Apressamo-nos no banho, subimos a pequena ladeira e chegamos em casa ao mesmo tempo que Tiê. Bênçãos de pai e mãe, abraços emocionados. Hora de boas conversas, de colocar fim a círculos de saudade e claro, de muita alegria.

Outra lembrança que tenho é quando eu era adolescente e morávamos em São Miguel do Araguaia. Tiê, já homem feito, morava em Goiânia. Certa manhã, minha mãe escuta uma canção do Roberto Carlos – Eu cheguei em frente ao portão – no alpendre de nossa casa e ao abrir a porta, dá de cara com meu irmão. Novamente, momentos de alegria e emoção.

Estas e outras tantas lembranças permanecem no meu coração, no meu inconsciente. Aliás, estas e inúmeras lembranças.

O tempo passou. Vieram casamento, filhos, netos... Alegrias, tristezas, dores, batalhas pela sobrevivência, conquistas, decepções. Típico da existência.

Mudanças, caminhos novos, recomeços.

A vida seguiu.

Momentos difíceis são passiveis de superação, mas há situações que não conseguimos prever e que costumam nos pegar de surpresa. Um vírus letal, aquela curva no caminho, o coração que não suportou, um cruzamento fatal, encerram sonhos, findam trajetórias que pareciam estar a poucos passos dos objetivos traçados de felicidade e realizações.

Para uns o calvário se estende por tempos e tempos. Para outros, acaba ali e em menos de 24 horas passa-se a ser saudade, lembranças.

Mas é inexorável: a hora da partida chega.

E o próximo segundo pode ser o ultimo.

 

 

 

quinta-feira, 28 de março de 2024

EDILSON PINHEIRO: A HISTÓRIA DOS PIONEIROS E SUA LUTA POR LUIZ ALVES E PELO RIO ARAGUAIA

 



Edilson Pinheiro: uma vida em defesa da preservação do Araguaia e do turismo de Luiz Alves.


Por Paulo Rolim


Quem visita o Povoado de Luiz Alves no município de São Miguel do Araguaia, ao se aproximar avista do lado direito da rodovia a histórica casa construída pelo pioneiro José Francisco Marques, situada a poucos metros das barrancas do majestoso Rio Araguaia.

A história da colonização da região do Vale do Araguaia em Luiz Alves remonta ao final do século XIX, precisamente em 1895 quando por lá chegou o pioneiro José Francisco Marques e depois, na segunda década do século seguinte veio a família de Pedro Pinheiro de Lemos que se instalou na margem matogrossense, do outro lado do rio. Unidas e com coragem e determinação, as duas famílias desbravaram a região, até então habitada somente pelos índios Karajá.

Era um tempo em que as grandes distâncias, os recursos incipientes e os perigos e dificuldades que se apresentavam a todo momento tornavam tudo mais difícil. As barreiras naturais, assim como as cheias do grandioso rio aliavam-se às características de um sertão bruto e desconhecido em um tempo que tudo era feito no braço e na coragem.

Das duas famílias – Marques e Pinheiro – vieram filhos, netos e bisnetos que protagonizam uma história de honra, bravura e dignidade, que continua até hoje através da grande descendência que se espalha nos municípios da região.

Um dos membros desta família, cuja trajetória é repleta de nuances de dedicação à causa do meio ambiente, do turismo e da divulgação do Rio Araguaia e suas riquezas é Edilson Pinheiro, que alternou momentos da vida entre o trabalho pela causa preservacionista e em empresas em São Miguel do Araguaia e região.

Conhecedor da história e das particularidades locais passou a infância tendo o privilégio de acordar todas as manhãs diante da vista do majestoso rio, seja em momentos de chuva e enchente ou na temporada de praia, quando a movimentação se torna intensa pela presença de gente de todos os quadrantes do país.

Foi ali, próximo as barrancas de Luíz Alves que Edilson iniciou nas primeiras letras na escola municipal, com a Professora Elvira Soares Marques, vindo depois para um período de estudos em Goiânia e em seguida retornando a São Miguel do Araguaia onde fez o então segundo grau – hoje ensino médio.

Muito jovem começou a frequentar os campos de futebol de Luiz Alves e São Miguel do Araguaia, disputando e colecionando inúmeras vitórias nos campeonatos amadores da cidade. Jogou, dentre outras, nas equipes do Oceano, Málaga e Luiz Alves – tradicionais na cidade.

Atuou como funcionário do antigo Banco Bamerindus, onde permaneceu por quatro anos e depois foi trabalhar com o pai, no segmento do agronegócio. Em São Miguel do Araguaia foi proprietário de um bar, onde primava pelo bom atendimento a seus clientes.

Vendo o potencial turístico do Vale do Araguaia, Edilson empreendeu em um escritório turístico no Distrito Federal de onde agenciava grupos de turistas para visitar Luiz Alves. Um empreendimento conhecido como “indústria sem chaminés”, que reconhece o setor turístico como rentável, sustentável e promissor segmento econômico.

De volta a Luiz Alves e São Miguel, foi funcionário do Grupo empresarial liderado por César Baiocchi e Oton Nascimento, onde atuou como gestor da Pousada Jaburu, do Projeto de irrigação do mesmo nome e em empreendimentos imobiliários. Após isso trabalhou na implantação de empresas de vistorias terceirizadas junto do Detran-GO, como Terceira Visão – hoje um player nacional – e Ivecal.

Importante destacar a atuação de Edilson Pinheiro na defesa do meio ambiente quando participou ativamente do Fórum de Defesa do Rio Araguaia e dos Lagos, cuja mobilização no ano de 2013 levou à propositura e aprovação da Lei da Cota Zero, que proíbe o transporte de pescado no Estado de Goiás com o objetivo de combater a pesca predatória e incentivar a pesca esportiva.  O estabelecimento desta lei resultou no equilíbrio e restabelecimento da fauna aquática do rio, proporcionando o ressurgimento de grandes peixes como as famosas e encantadoras Piraíbas, hoje o maior atrativo para os pescadores esportivos que buscam o Vale do Araguaia. 

Em 2018 Edilson voltou definitivamente para Luiz Alves onde desenvolve e operacionaliza projetos como o “BarcoHotel” e promove incentivo ao turismo lado a lado com a conscientização e preservação ambiental em parceria com empresas locais como Pousada do Pescador, Recanto das Piraíbas e Rancho do Biguá.

Edilson Pinheiro faz questão de divulgar o Rio Araguaia preservado e respeitado, para servir à população ribeirinha e a toda a sociedade. Entende que o majestoso rio pertence a todos é um grande patrimônio ecológico do Brasil. Sabe do potencial econômico e da capacidade de promover mudanças na vida das pessoas simples que vivem às margens do majestoso e importante rio, que para todos que ali vivem é como se fosse uma extensão de sua casa.

Com isso, fomenta a economia local e faz da preservação e do respeito ao meio ambiente sua missão de vida e seu ideal.

 

 

BarcoHotel em Luiz Alves. 

 

Edilson Pinheiro


terça-feira, 26 de março de 2024

PABLO MARÇAL PARTICIPA DE PESCARIA NO RIO ARAGUAIA

CONHECIDO EM TODO O PAÍS, INFLUENCIADOR PARTICIPA DE EVENTO RELIGIOSO EM SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA


Imagem: Instagram Perfil Pablo Marçal

Por Paulo Rolim

 

O influenciador, palestrante, conferencista e escritor Pablo Marçal desembarcou na última sexta-feira no Aeródromo de São Miguel do Araguaia e dirigiu-se ao Povoado de Luiz Alves, onde em uma breve parada reuniu-se com amigos e apoiadores. Embora informal, o encontro foi bastante concorrido, com a presença de políticos, empresários, moradores e ribeirinhos.

Em seguida Pablo Marçal e comitiva seguiram para uma pescaria nos rios Araguaia e Cristalino, onde se hospedaram na Pousada Asa Branca. Imagens e vídeos da pescaria foram divulgados através de diversos perfis nas redes sociais.

O influenciador veio a convite do empresário e pré-candidato a prefeito Jeronymo Siqueira, de quem foi colega na faculdade de Direito, e aproveitando a presença participa nesta terça-feira (26) às 19:30h do evento religioso “Terça Profética” a ser realizada na Igreja de Cristo – Ministério Apostólico Nova Terra, em São Miguel do Araguaia.

Natural de Goiânia, Marçal de tornou conhecido através das redes sociais ao propor métodos de vida que segundo ele levam à prosperidade e à paz interior. Publicou inúmeros livros e mantém cursos de desenvolvimento pessoal que atraem milhares de pessoas de todo o Brasil. Embora tenha sido eleito deputado federal por São Paulo em 2022, não assumiu o mandato devido a questões documentais junto ao partido político

 

IGREJA DE CRISTO DE SÃO MIGUEL

Fundada em 1982 pelo casal Jayme e Coracy Caixeta e pelo religioso norte-americano Robert Pop, a Igreja de Cristo de São Miguel do Araguaia faz parte do Ministério Apostólico Nova Terra e é presidida pelo Bispo Marcelo Costa Céo.

O evento desta terça-feira, a “Terça Profética” é dirigida pelo Pastor Alex Ribeiro e tem em sua definição “o propósito de transformar realidades através da Palavra e dons espirituais.”.

Dirigente da Igreja há 23 anos, o Bispo Marcelo Costa Céo é casado com a Bispa Wanyspaula Céo e pai de dois filhos – Samuel e Lucas. Nessa reunião com a presença de Pablo Marçal, ele afirma que a presença do conferencista criou uma grande expectativa por carregar em si alto potencial capaz de ser transformador de vidas.

 




TERÇA PROFÉTICA COM PABLO MARÇAL

LOCAL: IGREJA DE CRISTO SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA

DATA: 26/03/2024 - HORÁRIO: 19:30h

 

 

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

SENDAS DO VERBO - IV - NA FAZENDA





Quinzin acordou com o chamado do pai, um grito alto e brusco.

— Levanta, moleque, que hoje você vai para a sede da fazenda.

Quinzin demorou um pouco a entender, mas ficou alegre. Apesar de desconfiado e com receio, começou a imaginar como seria o dia a dia na fazenda do Sr. Jessé Capistrano.

O pai estava apressado naquela manhã. Rapidamente fez a marmita de almoço que levava para o eito onde trabalhava e determinou que o menino comesse logo.

Quinzin se virou como pôde. Rapidamente lavou o rosto, comeu o beiju ainda quente e vestiu uma roupa limpa. Viu o pai desligar o rádio, com o barulho característico e fechar as portas e janelas. Sem demora, estavam a caminho da sede da fazenda. E o pai aquele dia estava com o passo mais apertado.

Chegaram à imponente sede da fazenda e foram recebidos pelo Sr. Jessé, que Quinzin já conhecia de vista. Trocaram poucas palavras e o fazendeiro chamou uma senhora, que atendendo ao chamado, recebeu orientações e levou Quinzin para o interior da residência. Passaram pela sala, com mobílias que nunca vira igual, até que chegaram em uma ampla cozinha onde algumas mulheres com lenços na cabeça cuidavam do almoço. A senhora, que tinha uma voz suave e agradável chamou uma das mulheres e disse:

— Helena, este é o menino que veio para ajudar. Cuidem bem dele e não o deixem se afastar da vista de vocês. E digam o que ele deve fazer.

— Ele parece bonzinho, obediente, disse uma das mulheres.

— Vem aqui, menino.

Helena, com quem Quinzin simpatizara de imediato, perguntou se ele já havia comido algo naquela manhã, ele respondeu que sim.

— Tadinho, tão pequeno, disse Helena. E o que são essas marcas? Seu pai te bateu?

E se escandalizou:

— Vejam aqui, olha só o estado desse pobre.

Quinzin sentiu a boca seca, o corpo formigar e as pernas tremerem ao sentir os diversos olhares sobre ele. Não sabia se podia ou não contar a verdade sobre a surra que levara. Limitou-se a baixar a cabeça, com os olhos cheios de lágrimas.

Helena maternalmente, pegou Quinzin pela mão e o levou até uma mesa cheia de iguarias, muitas que ele não conhecia. Ordenou que sentasse e disse:

— Come, menino. Você precisa se alimentar bem, pois terá muito trabalho pela frente.

Trouxe uma xícara com leite e um pouco de açúcar e alguns biscoitos, colocou á frente dele, que timidamente começou a beber e a comer.

Ficou ali algum tempo, esquecido. As mulheres continuaram seu serviço na cozinha e vez ou outra, Dona Santa vinha ali para verificar o andamento dos trabalhos. Passou por ele, mas apenas olhou, sem nada dizer.

Depois de certo tempo, o Sr. Jessé apareceu. Deu a ele um naco de rapadura e ordenou que o acompanhasse. Perguntou sobre seus irmãos, sobre seu pai, mas Quinzin, tímido, pouco sabia dizer.

Levou-o até uma grande horta onde mostrou um balde pequeno e outro recipiente – um regador. E perguntou a ele se daria conta de molhar os canteiros. Quinzin disse que sim, e para que o fazendeiro soubesse de sua agilidade, foi até o rego d’água e pegou um pouco de água, colocou dentro do regador e foi molhar algumas plantas em um canteiro próximo.

Seu Jessé ficou satisfeito com a atitude do menino. Disse que passaria algumas tarefas para que ele molhasse o que desse conta até a hora do almoço e saiu. Quinzin tratou logo de fazer o que lhe fora ordenado.

A horta era um lugar magnifico, de imagens, vida e aromas. Cercada de tela grossa, com um portão de acesso no rumo da casa e diversos canteiros de alface, cheiro verde, pés de pimenta e alguns pés de mamão (mamoeiros) carregados do meio até em cima. Tinha ainda em um dos lados da cerca imensos pés de chuchu carregados de frutos de todos os tamanhos, dos mais tenros aos que estavam em ponto de colheita.

Em um canto eram cultivadas plantas de variadas espécies como arruda, erva-cidreira, capim santo, boldo, alfavaca, funcho, hortelã e outros usados em meizinhas para atenuar e acalmar os males que afligiam os moradores da fazenda. Mais longe, no outro extremo, encostado à cerca um monte com esterco de gado curtido que servia para adubar a plantação. 

O Sr. Jessé havia passado como tarefa para ele molhar cinco canteiros grandes. Quinzin achou fácil o serviço e alegre e animado se pôs a fazer o serviço. Molhava com cuidado, para que ficasse bem feito. O balde era pequeno, mas, por outro lado, se tinha que dar mais viagens entre o rego d’água e os canteiros, era mais leve e cansava menos.

Nesse ritmo não demorou e terminou. Olhou com certo orgulho para os canteiros e se sentiu feliz. Ouviu barulho de alguém que se aproximava e viu que era Dona Santa. Ela veio até onde ele estava, olhou com atenção os canteiros que ele havia acabado de molhar e disse:

— Ficou muito bom seu serviço. Vai lavar as mãos e vem comer alguma coisa e depois você volta e continua.

Antes de saírem, Dona Santa recolheu algumas ervas e verduras dizendo que eram para o almoço. Seguiram em direção à cozinha e lá, na mesma mesa, uma farta e generosa merenda o esperava. Biscoitos de forno, alguns que ele não conhecia, e um copo de leite.

Tímido que era, comeu pouco, mas dona Lena, que cuidava da cozinha veio e disse que ele comesse bem pois estava muito magrinho e precisava ficar forte. Então, deixando a timidez de lado, aproveitou e se esbaldou. Estava gostando demais daquele lugar; mas sabia que tinha que voltar logo ao trabalho e se apressou em terminar a merenda.

Ao chegar na horta se deparou com dona Santa, Seu Jessé e um rapaz alto, conversando. Ficou quieto, como que não querendo ser visto, porém dona Santa o chamou, a apresentou o rapaz alto:

—Quinzin, este é Dimas, ajudante na fazenda e vai te ensinar direitinho o serviço.

Quinzin reconheceu aquela voz. buscou na memória, e lembrou do palhaço da festa da Folia do Divino que o pegara nos braços e o elogiara.

O trabalho era bem simples, além de cuidar da horta, colocar milho e farelo para as galinhas e colher os ovos.

— Não se preocupe, rapaz, aos poucos você vai aprender.

Pegou um cesto e entregou a Quinzin. O cesto era um pouco grande e Quinzin teve certa dificuldade em carregá-lo, o que foi notado pelo rapaz. 

Dimas voltou a horta e trouxe o balde que Quinzin carregara água para encher o regador e disse:

— Por enquanto você usa esse, até o patrão arrumar um cesto ideal para o seu tamanho. E tem que que fazer esse serviço duas vezes ao dia.

Foram em direção ao galinheiro. Quinzin se encantou com a quantidade de galinhas, pintinhos e frangos e galos. Mais adiante, uma cobertura com vários nichos forrados com palha de arroz, onde as galinhas botavam os ovos. Dimas pediu que tivesse cuidado para não quebrar nenhum ao recolher.

No começo, pegava com medo de deixar cair, mas aos poucos se acostumou e passou a ter maior segurança e consequentemente, rapidez. O rapaz era rápido e logo os dois estavam com seus respectivos recipientes cheios de ovos brancos e azuis. Ainda encheram mais um cesto e foram em direção à grande cozinha, onde deixaram os cestos sobre uma mesa.

Depois, foram para a horta. Hora de terminar de molhar o restante dos canteiros e com as mãos arrancar as pequenas ervas daninhas, que pareciam querer tomar conta de tudo. Aos poucos, foi limpando.

O tempo foi passando, o sol esquentando e Quinzin sentiu sede. Foi até o rego d’água e sorveu boa quantidade. Foi quando Dimas o chamou para o almoço. Estava na hora. No rego d’água, lavou as mãos e os pés, o que foi feito também pelo companheiro de trabalho e subiram em direção a casa.

O local onde os trabalhadores almoçavam ficava por trás da cozinha em uma das amplas varandas que cercavam a casa. Eram várias mesas de madeira que juntas formavam uma só, ladeadas por grandes bancos.

Na cozinha e na varanda, sobre os fogões à lenha e mesas, grandes panelas de ferro e de barro com carne, feijão e algumas cuias de coité cheias de verduras como alfaces e outras que Quinzin ainda não conhecia.

Em uma mesa menor, próximo às panelas ficava uma pilha de pratos e colheres, onde Dimas pegou um para ele e outro para Quinzin e foram servir a comida. Aos poucos foram chegando trabalhadores e logo o local estava cheio e com o vozerio dos homens que conversavam alegremente.

Era época de limpeza e recuperação de pastos e era grande o número de trabalhadores eventuais. Muitos trabalhavam constantemente na fazenda e outros eram empreiteiros que trabalhavam somente em determinadas épocas do ano.

Quinzin comeu satisfeito, adorando a comida. Era bem diferente da que tinha em casa, sempre com carne de porco, feijão e farinha. Vez ou outra, um macarrão, mas o trivial era esse. E ali Quinzin comeu arroz, iguaria que adorava, e que não tinham o hábito de fazer em sua casa.

Após o almoço, um breve descanso ali mesmo, diversos homens olhando para aquele menino, alguns tecendo comentários, mas Quinzin ficou quieto, esperando as próximas ordens.

Estava feliz. Como eram boas aquelas pessoas. Deram-lhe muita comida, em nenhum momento gritaram com ele e o companheiro de trabalho, Dimas parecia ser um rapaz tranquilo, que falava pouco, mas não se importava de lhe ensinar o serviço com calma e paciência.

Dimas disse a Quinzin para voltar para a horta e continuar a limpar o mato dos canteiros que ele iria dar uma ajuda no curral, onde os vaqueiros estavam cuidando do gado.

O menino voltou para a horta e continuou de onde tinha parado. Volta e meia para um pouco para esticar o corpo franzino, bebia água no rego que corria ali pertinho e não raras vezes se encantava com os beija-flores que a todo momento vinham visitar o lugar. Também apareciam por ali rolinhas, bem-te-vis e outros que ele não sabia o nome.

O tempo foi passando e o sol já dava sinais que a tarde começava a se acabar. Foi quando dona Santa o chamou pelo nome, dizendo:

— Vem, Quinzin, chega por hoje. Vai lavar as mãos e vem comer um pouco antes de ir para sua casa.

O menino obedeceu e após se lavar a seguiu em direção à cozinha que a esse momento estava vazia. Certamente as mulheres que lá trabalhavam tinham ido para suas casas ou foram cuidar de outras obrigações.

Quinzin admirou aquele silêncio. De manhã o local era bastante movimentado e nervoso, com as mulheres no seu ir e vir, barulho de panelas, fogo e muita agitação. Quinzin comeu o que Dona Santa o oferecera

Ainda ouviu ela dizer: “Meu Deus, como está magrinho e judiado esse menino...”

Quinzin ao sair da cozinha, ainda no corredor, deu de cara com o Sr. Jessé, que lhe perguntou se gostara do trabalho. Timidamente respondeu, de olhar baixo:

— Gostei.

Seu Jessé disse então que ele fosse para casa, que era perto e que não tivesse medo. Qualquer coisa que acontecesse, gritasse alto, que ele escutaria.

Quinzin estava temeroso sim de voltar sozinho para casa. Sempre andou acompanhando do pai ou dos irmãos. Mas era preciso ter coragem e seguir de volta para casa. E tinha mesmo que se acostumar, afinal, o pai não viria buscá-lo todos os dias.

Estava feliz. Fora tratado como talvez nem lembrasse mais. Ternura, carinho e aconchego foram coisas que só conheceu quando teve a mãe por perto. Todos os dias após ele e os irmãos tomarem banho, ela vinha toda cuidadosa e amorosa pentear os cabelos dos filhos. E após todos estarem vestidos e penteados, dava beijos de carinho em cada um e não raro dois, três irmãos disputavam seu colo, em alegre e feliz momento.

A maneira que Dona Santa e Seu Jessé o trataram o surpreendeu. Dona Santa tinha um semblante de mãe que cuidava muito dos filhos e sua voz suave o deixava seguro, apesar da adversidade que a vida lhe trouxera até aquele momento. Foi imerso nesses pensamentos que não demorou e estava chegando na humilde e simples casinha onde morava.

Era preciso cuidar das galinhas e do pequeno porquinho. Depois, aguardar a chegada do pai para irem tomar banho no riacho e depois jantarem.

Após colocar a comida para o porquinho, que o recebeu com sua tradicional saudação, com gritos e roncos altos, com muito barulho. Quinzin se permitiu ficar olhando o pequeno riacho e seus peixinhos, que com a luz do sol da tarde pareciam pequenos fachos de luz a deslizar para lá e para cá.

Novamente, veio aquele nó na garganta ao olhar para o lado da mata onde Dé desaparecera. Sentiu uma mistura de revolta e saudade. Onde estava Dé? Onde estavam seus outros irmãos? Será que estavam bem, tinham o que comer e onde dormir? E será que não estavam judiando deles?

Sentou-se no pequeno tronco que improvisava como banco e viu a tarde cair, cheio de saudade e recordações. Ouviu barulho para o lado da estrada e percebeu que o pai estava chegando. Sentiu um calafrio e as pernas tremerem. Era a dura realidade de volta, com a qual por algumas horas se esquecera e até desacostumara.

O pai já entrou e gritou por ele. Ele correu e respondeu ao pai, que perguntou como fora, se não dera trabalho e se obedeceu direitinho aos patrões. Quinzin respondeu que sim, de cabeça baixa e tímido.

— Vou perguntar ao Sr. Jessé. Se eu souber que você está aprontando, te quebro no pau, moleque.

Quinzin ficou calado. Sabia que o pai era bruto, agressivo e era melhor nada responder. E calados, como se não notassem a presença um do outro, se dirigiram ao riacho para tomar banho. Antes do banho, o pai foi até o chiqueiro e olhando demoradamente para o porquinho, disse:

— Mais um mês e esse bicho estará pronto para abater. Já tá ficando gordinho.

Quinzin ficou triste, com o destino do alegre e barulhento porquinho, mas não se manifestou.

Depois, cada um pegou um balde com água – Quinzin com um menor – e subiram em direção à casa.

Chegando em casa o pai ligou o rádio, que trazia animação e um homem que falava coisas engraçadas, seguidas de um coro de risadas. Vendo a curiosidade do filho, que fitava o rádio, o chamou para fora da casa e disse:

— Tá vendo aqueles fios ali? Disse mostrando os fios que, saiam do rádio e ultrapassando o telhado e se dividiam, esticados entre duas grandes e altas varas de bambu fincados na lateral da casa, de um lado a outro.

Quinzin mirou os fios sem entender muito o que o que ele dizia. Continuou:

— Você deve estar pensando que tem gente dentro do rádio, né?

— Sim, assentiu Quinzin, balançando a cabeça.

O pai riu, algo que raramente fazia e disse:

— Não tem ninguém dentro do rádio. O que você ouve, sendo gente falando ou as músicas que passam, são feitos bem longe daqui. São mandadas para todo lado, e chegam aqui em ondas, como o vento. Os fios, são as antenas que “pegam” o que enviam e sai no rádio, aqui dentro, quando é ligado.

Quinzin entendeu mais ou menos, mas ficou aliviado. Pelo menos, não tinha miniaturas de pessoas ali que poderiam sair quando eles estivessem dormindo para beber água, comer o pouco alimento que tinham e outras coisas mais. Lembrou que diversas vezes acordou de madrugada e ficou com medo de encontrar pela casa algum daqueles “homenzinhos” que viviam dentro do rádio.

Enquanto o pai ouvia música e ensimesmado fumava seu cigarro de palha, Quinzin dirigiu-se ao fogão à lenha e remexeu as brasas adormecidas, cobertas de cinza, colocando sobre o borralho alguns gravetos que se encontravam ali perto, e assim que o fogo pegou, buscou no terreiro dois pedaços de lenha e colocou sobre as lavaredas que logo cresceram e o fogo logo ficou vivo, iluminando toda a cozinha.

Depois disso pegou uma velha panela, com o exterior preto de carvão e colocou sobre as chamas na chapa do fogão, foi até a prateleira e com uma concha pegou uma porção de carne de porco que estava dentro de uma lata e colocou dentro da panela velha, que fez aquele chiado, barulho característico de carne e gordura na panela quente. Logo, estava pronto o jantar, que constava de carne de porco com farinha e pedaços de mandioca que já estavam cozidos.

Com cuidado, tirou a panela com a carne de cima da chapa e colocou de lado.  O pai, que estava de olho em seus movimentos e se aproximou, recomendando que ele estava fazendo tudo direito, mas que não se descuidasse, pois era perigoso se queimar.

Após o pai se servir, colocou a comida em seu prato, velho prato esmaltado e sentou em um pequeno e carcomido banco de madeira que ficava na cozinha.

Com um velho pedaço de tecido que de vez em quando fazia as vezes de pano de cozinha, forrou o colo e colocou o prato sobre ele, evitando assim que se queimasse. Começou a comer, lenta e calmamente. Adorava aquela comida simples, era tão bom quanto fosse um lauto banquete. Lembrou da comida da casa do Sr. Jessé, da fartura que era lá. Era muita gente para comer, mas parecia que nunca faltava alimento naquela casa.

O pai, adivinhando seus pensamentos, perguntou como fora lá, se tinha achado difícil o serviço, e se não aprontara alguma desfeita.

Quinzin respondeu que fora bom, que o serviço era fácil. Achou que ele ia continuar a conversa, falar mais alguma coisa, mas continuou calado, talvez prestando atenção no rádio que trazia canções alegres. Terminando de jantar o pai foi até o pote, bebeu água e voltando-se pra Quinzin, disse em seu habitual tom ameaçador:

— Se você aprontar na casa do Seu Jessé, já sabe....

Quinzin ouvindo isso, quase se engasgou com a comida. Mas manteve-se quieto, calado, apenas baixou os olhos fitando o chão sujo da cozinha. Mas, não tremeu as pernas, ou sentiu terror como outras vezes. Seu dia fora bom demais, vira que existia outro mundo onde pessoas bondosas o tratavam bem.

Viu o pai acender o cigarro de palha em um tição de lenha do fogão e ir para fora da casa “pegar uma fresca”, como dizia. Quinzin permaneceu onde estava, com o olhar fixo nas brasas do fogão, que aos poucos iam perdendo a vivacidade. Das animadas e intensas lavaredas de há pouco, ficaram somente as brasas, que depois de passarem por um tom vermelho vivo, como as nuvens no céu ao entardecer foram aos poucos diminuindo a intensidade, até que o branco das cinzas prevalecesse.

Inconscientemente, viu naquele fogo sua vida. Quando tinha a mãe e os irmãos, era fogo vivo, alegria, agora, sozinho, ou quase sozinho, pois tinha ainda a companhia do pai que não representava alegria ou amor, sentia-se como brasa em vias de virar cinza.

Sentiu o cansaço chegar. O dia fora intenso, cheio de novidades e descobertas. Era inegável que um mundo novo, até então desconhecido, se apresentava, afinal, conhecia poucas pessoas, poucos lugares e seu mundo até há pouco tempo limitava-se à casa simples onde moravam, o convívio com os irmãos e com o pai. Da mãe tinha poucas lembranças, que sempre estavam presentes em seus sonhos ou momentos de alegria. Eram poucas as recordações, mas suficientes para acalentarem o coração de um menino de apenas oito anos, que a vida jogara em um mundo até então cruel e desumano.

Foi até o pai que continuava do lado de fora e pediu-lhe a bênção e se dirigiu até a esteira, onde deitou o corpo franzino e esperou o sono tomar conta. Mas, o sono teimava em demorar a chegar.

As canções do rádio o mantinham atento, e mesmo depois que o pai desligou e se recolheu, começou a prestar atenção aos barulhos da noite. Canto de grilos, um ou outro uivar de lobos, o ritmado e constante canto dos curiangos e outros sons que ele acreditava serem das estrelas.

Acordou com o barulho do pai abrindo a porta e chamando as galinhas para a ração de milho diária. Acordou feliz, pois sabia que em pouco tempo estaria em um lugar que gostara, e onde havia muita gente que o tratara bem.

Tratou de lavar o rosto e comer o cuscuz que o pai fizera. Pediu a bênção, e ouviu dele apenas um “bençõe”. Mais nada. Logo estava pronto e em silêncio se puseram a caminho.

O trajeto era curto e ao chegarem na estrada, o pai disse que ele deveria ir só. Foram apenas essas as palavras do pai para ele. Assim, se dirigiu para a fazenda, olhando para o lado que o pai fora e vendo sua silhueta sumir em meio a vegetação que ladeava a estrada.

Mais um pouco e estava na casa do Sr. Jessé. De longe percebeu o burburinho e o movimento das pessoas que apesar de ser ainda muito cedo, já estavam ali.  Se aproximou lentamente da casa e foi notado por uma das mulheres da cozinha, que o chamou pelo nome dizendo:

— Quinzin, vai merendar.

Quinzin tentou dizer que já tinha feito seu desjejum, mas viu ela sumir no meio das pessoas. O jeito foi obedecer e institivamente seguiu em direção ao local onde havia almoçado no dia anterior, que se encontrava cheio de pessoas.

Uma mulher deu a ele uma caneca com leite e indicou uma mesa onde haviam de pães e outras quitandas. Pegou algumas unidades e se deliciou com o gosto. Eram novidades para ele, que mesmo não estando com fome, se apressou em comer.

Ouviu alguém dizer outra vez: “Tadinho, tão pequeno e magrinho, judiado demais esse menino!” Olhou em volta e viu que era Dona Santa, esposa do Seu Jessé que fizera tal afirmação. Ficou com certo medo, lembrando das ameaças que o pai fizera na véspera. Mas ficou mais tranquilo ao ver que ela se dirigia a ele, perguntando:

— E então, menino, pronto para mais um dia?

Quinzin não teve palavras. Apenas assentiu com um movimento de cabeça.

Viu um trabalhador da fazenda se aproximar e perguntar para dona Santa:

— É o filho que restou do Buíca?

— Sim, respondeu veladamente a senhora.

— Pobrezinho desse menino, respondeu o homem.

Quinzin se surpreendeu por aquele homem dizer o nome de seu pai, ou o apelido pelo qual era conhecido. Raramente vira alguém chamá-lo daquela forma, apenas de algumas pessoas na festa de Folia do Divino e naquele domingo em que foram à vila buscar mantimentos para a semana.

Aos poucos, as pessoas foram deixando aquele lugar e ele se viu sozinho. Sem saber para onde ir, resolveu permanecer até que alguém viesse chamá-lo e indicar o que deveria fazer.

 Com alegria viu Dimas se aproximar e de maneira amistosa, chamá-lo para começarem o trabalho.

— Vem comigo, Quinzin, hoje vou te passar as tarefas. E você vai ter que se virar sozinho, pois não posso ajudar, tenho muito serviço no curral.

Foram para a horta e Dimas indicou a Quinzin quais os canteiros que deveria molhar e onde deveria limpar das ervas daninhas. Mas, antes da horta, era preciso recolher os ovos. Não poderia esquecer que tinha que pegá-los de manhã e de tarde.

— Vem comigo que quero te mostrar uma coisa, disse.

Foram até a frente da casa onde havia um jardim com diversas plantas ornamentais. Eram roseiras, orquídeas, lírios, samambaias de chão, e outras que ele não conhecia. De imediato se encantou com elas. Dimas pediu que ele todos os dias, nesse tempo de seca, além da horta, molhasse e limpasse aquele local. Poderia pegar água bem pertinho, no bebedouro das vacas que ficava no curral em frente. Recomendou que cuidasse muito bem pois eram daquelas plantas que Dona Santa retirava as flores que adornavam o oratório onde ficavam seus santos de devoção.

Quinzin se lembrou da voz suave e do semblante terno de Dona Santa e prometeu a si mesmo que cuidaria muito bem daquele lugar.

Viu Dimas sumir em meio às tabuas do curral cheio de reses àquela hora e foi cuidar de sua obrigação. Recolheu os ovos, depois foi para a horta e molhou direitinho os canteiros. Depois, regou e limpou as plantas de Dona Santa e voltou à horta para limpar os canteiros. Observando melhor tudo o que havia ali em volta, compreendeu que nunca faltaria trabalho para ele, pois o local era bem grande, com uma variedade imensa de plantações. Estava feliz e fazia com zelo e atenção o que lhe fora recomendado.

A rotina do dia anterior se repetiu. No meio da manhã, uma das mulheres da cozinha veio chamá-lo para merendar, e Quinzin, apesar de não estar com fome, obedeceu.

No caminho, viu uma velha senhora idosa, debruçada sobre algo redondo, esquisito. A mulher que fora chamá-lo, vendo que ele a observava, se apressou em dizer:

- É Dôrinha, uma velha que mora aqui desde menina. Dizem que é louca, e se ela te dizer alguma coisa, não ligue. Ela não está mais certa, e a única coisa que ainda faz é tecer rendas de bilro. Que aliás, faz muito bem feito.

Rendas? Bilro? Que palavras eram aquelas? Por timidez ou cuidado, resolveu ficar calado, afinal, tinha outras preocupações e obrigações naquele dia.

Comeu a merenda que lhe deram e voltou ao trabalho. Na volta, observou a velha Dôrinha, desta vez, mais detalhadamente. Tinha a pele negra e os cabelos desgrenhados e brancos, com um cachimbo no canto da boca que parecia apagado.  Apesar da idade, mantinha os olhos fixos no local onde estavam um número grande de agulhas, e movimentava com imensa destreza uma espécie de palitos com um algo parecido com casca de coco tucum na ponta. Por alguns instantes ficou a observar seus movimentos, interrompido em seu torpor pelo olhar que a ela lançara em direção a ele, voltando sua atenção para o trabalho. Foi o suficiente para Quinzin se apressar em voltar para a horta.

Chegou a hora do almoço e ele novamente, se viu em meio àquela aglomeração de pessoas, algumas cujas feições iam se tornando familiares. Destacavam-se no meio daquelas pessoas Dimas, Dona Lena, Dona Santa e Seu Jessé.

A tarde, transcorreu sem novidades. Apenas fora interrompido em seu trabalho quando Dona Lena o chamou para ir até a cozinha para merendar. Ficou sem graça, pois não estava acostumado a ser tratado daquela maneira. Desta vez Dona Lena disse que quando chegasse a hora, seja para lanchar ou almoçar, era para ele vir, pois nem sempre haveria alguém para chamá-lo. Degustou as quitandas, tomou o suco e se sentiu feliz e agradecido. Ele olhou para aquela senhora, tão gentil e cuidadosa com ele, sentiu ali a saudade de sua mãe. Olhou em volta e viu que as pessoas que ali passavam tinham todas um semblante bom, não havia cara ruim nem sinais de violência ou raiva. Imaginou vivendo ali, no meio de gente bondosa e feliz.

Se apressou a voltar ao trabalho, pois precisava terminar de limpar um extenso canteiro de couve. Trabalhando sozinho, imerso em seus pensamentos de criança, lembrou que naquele dia Dimas perguntou se ele sabia ler e escrever. Encheu os olhos de lágrimas ao dizer que não. Recordou que dos irmãos mais velhos, Dé e Tiquinho já haviam ido na escola. Ele, Toim e Dió, não tiveram oportunidade de aprender.

No fim da tarde, Dona Santa veio até ele, dizendo que era hora de ir para casa. Ficou surpreso quando ela entregou a ele uma pequena sacola com algumas peças de roupas, além de uma pequena marmita com comida.

— São usadas, mas estão em bom estado, e até que você cresça, servirão. E essa comida é para você e seu pai jantarem. Agora pode ir.

Quinzin, ainda receoso, mas convencido que tinha que ser forte e não ter medo de andar sozinho na estrada, tomou o rumo de casa.

Rapidamente se viu diante da casinha simples, que embora fosse palco de inúmeros momentos de tristeza, paradoxalmente era onde estavam suas melhores lembranças, como de sua mãe cantarolando para embalar seu sono ou as brincadeiras com os irmãos.

Deu a volta pelos fundos, abriu a porta da cozinha, colocou a sacola de roupas sobre o jirau e a marmita com comida sobre o fogão.

Desceu para o terreiro e foi dar milho para as galinhas e comida ao porquinho, que como sempre, repetiu a cantilena com barulhentos gritos e sua fome incontrolável.  A tarde ainda se fazia presente e as últimas luzes do dia teimavam em permanecer. Cores, formas e beleza juntas tornavam ainda mais belo aquele momento.

Viu ao longe que o pai estava chegando e resolveu voltar para casa, imaginando que ele iria ligar o rádio e gostar da comida que Dona Santa enviara. Era bom ouvir canções ou mesmo aquele falatório que nem sempre conseguia entender, mas gostava.

Ao se aproximar, foi surpreendido pelo grito:

— Moleque, o que é isso?

Tremeu e sentiu o chão lhe faltar. Em segundos, procurou pensar sobre o que fizera de errado, afinal, nem adentrara direito a casa, fora logo dar comida aos animais domésticos...

Viu o pai surgir na porta da cozinha, com aquela conhecida expressão de ódio e terror. E gritou:

— O que é isso?

Quinzin viu que ele tinha nas mãos a marmita de comida e a sacola de roupas que trouxera.  Trêmulo e quase sem voz. balbuciou:

— Eu ganhei.

— Você foi pedir cosias na casa dos outros, moleque?

— Dona Santa me deu...

Foi a gota d´água para o horror explodir. O pai jogou a marmita de comida em sua direção, acertando em cheio no peito franzino. Instintivamente o menino tentou correr para se defender, mas era tarde, estava paralisado pelo medo. Viu o pai crescer, se tornar um gigante e vir em sua direção com o relho que fazia as vezes de cinto, e ainda da porta da casa deu a primeira lapada.

Sentiu imensa dor e aquele relho maldito a cortar suas carnes. Viu quando o pai levantou a mão e deu a segunda chibatada, desta vez muito mais violenta, no pequeno e delicado rosto. O sangue quente começou a escorrer pela face. Jogou-se ao chão esperando mais e mais pancadas, quanto ouviu um estampido, seguido de uma voz forte e firme, que gritara:

— Pare com isso! Você quer matar esse menino?

De olhos fechados e sentindo muita dor, viu apenas o pai dizer que ele precisava ser corrigido, pois andara pedindo coisas na casa dos outros. Reconheceu pela voz quem estava ali: o Sr. Jessé.

Não conseguiu ver mais nada. Sentiu apenas que alguém o pegava nos braços. E acordou horas mais tarde.

Sem abrir os olhos imaginou, ainda sem entender o que havia acontecido, que a mãe viera salvá-lo. Aos poucos foi despertando e reconheceu a figura de Dona Santa a seu lado, acompanhada de Dona Lena e Dimas. Estava em uma cama limpa, em um local desconhecido e totalmente diferente de sua casa, de sua esteira. Ainda alternando sonolência, ouviu o que ocorrera.

Seu Jessé, atendendo a esposa, fora até sua casa pedir que o pai o deixasse morar na fazenda, para que pudesse receber cuidados e estudar, mas sem perder o vínculo.

Mas, ao chegar, se deparou com aquela cena horrenda, dos gritos e da agressão.

Como o pai não atendia, o Sr. Jessé precisou fazer um disparo para o alto, para que tivesse a presença notada.

Ao ouvir o barulho do estampido, assustado, arrefeceu sua fúria, voltando a ser todo servil e cheio de mesuras.

Vendo o estado do menino, o Sr. Jessé o tomou nos braços, colocou no cavalo e levou para casa, pedindo ao chegar que Dimas e Dona Lena cuidassem dele. Até a velha Dôrinha fez suas meizinhas.

Quinzin sentiu que doravante, seria ali sua vida, junto àquela família. Em seu coração inocente quis perguntar pelo pai, mas preferiu ficar calado.  Ainda sentindo as dores, conseguiu sorrir, enternecido pelo carinho que estava recebendo.

Sentiu que um novo tempo, uma nova vida começava. Sem violência e sem gritos. Poderia até, começar a sonhar que talvez um dia reencontrasse os irmãos.

E quanto ao pai, soube depois que o Sr. Jessé o demitiu do eito e mandou que deixasse suas terras.