Dona Ana abriu um sorriso e murmurou um “Graças-a-Deus” ao vislumbrar ao longe na estrada o vulto de sua comadre Sebastiana acompanhada de uma das filhas. Seu coração se aliviou, afinal havia muito serviço naquele fim-de-semana e sozinha não daria conta de todos os afazeres. Foi uma alegria incontida quando sua grande amiga se ofereceu para ajudá-la. E ela aceitou de imediato.
Começou a planejar a Consagração ao Sagrado Coração de Jesus na nova casa da fazenda quando os buracos para os alicerces começaram a ser furados. E fez a promessa de realizar uma grande festa em louvor para que tudo corresse bem, para que tudo desse certo e fosse concluído a tempo.
De comum acordo com o esposo separou alguns novilhos, mandou preparar o mangueiro com novas leitoas e arrumar o galinheiro para acomodar um número suficiente de frangos caipiras para a grande festa.
O início da construção foi no período final das chuvas, ai por volta do mês de março e terminou no comecinho do mês de outubro, coincidindo com a temporada das frutas na fazenda. Parecia que os pomares entenderam seu propósito e capricharam. Nunca se viu ali tanta fruta madura e doce. Mexerica pokan, jabuticabeiras lotadas (algumas já no seguindo carrego), os cajueiros com seus frutos coloridos, os cajuzinhos do campo azedinhos, todos colaboraram para que a fartura fosse grande. As mangueiras todas com seus galhos vergados pelo peso dos frutos. Assim a Fazenda Santa Lúcia se preparou para a grande festa da casa nova.
Já no sábado pela manhã, a casa era um burburinho só. Os homens preparavam os novilhos e porcos abatidos na véspera. As mulheres sob o comando de dona Ana e de sua comadre Sebastiana agora eram muitas. Estavam lá vizinhas, filhas, noras e amigas da família em animada e alegre conversa. Ajudavam e cuidavam de tudo. Algumas cortando frangos, outras preparando o tempero para a comida, grandes panelas sendo lavadas e “ariadas”, ficando branquinhas, brilhando.
Os meninos numerosos brincavam na grande varanda que circundava a casa. Deliciavam-se com os frutos do quintal, mas não sem antes serem advertidos pelos adultos: “cuidado que mistura com manga faz mal, menino”!
As meninas mais comedidas ninavam suas bonecas, de vários tamanhos e cores, em delicada brincadeira.
O grande momento enfim chegara. Ao lado do esposo, companheiro de muitas décadas –, dos filhos e netos e diante da imagem do Sagrado coração de Jesus dona Ana fez o sinal da cruz iniciou o “canto de invocação” ao Divino Espírito Santo. E se emocionou. Afinal, alguns sonhos de uma vida inteira estavam se concretizando. Por alguns instantes teve lembranças da casa antiga onde criara seus filhos. Mas nem a nostalgia foi suficiente para conter a alegria da nova casa. E ela lutara muito por isso.
Assim, de coração leve e feliz dona Ana rezou. Agradeceu. E se alegrou com presença e a felicidade dos amigos em sua nova casa.
Lindo! Comovente! Um retrato pungente do sertão.
ResponderExcluirGrande sensibilidade... Parabéns!