Há anos que passo pelas ruas e avenidas do Setor Vila Nova, em Goiânia. Próximo à Praça Vereador Boaventura, a principal do bairro, tem algumas salas comerciais, talvez as primeiras construídas naquele local. Da janela do carro observava sempre uma pequena porta, e dentro da sala um balcão humilde, normalmente ocupado com inúmeras carcaças de aparelhos de TV, rádios, vitrolas, aparelhos eletrônicos diversos, em organizada bagunça. Parece que nunca mudavam de lugar aqueles velhos televisores. Permaneciam sempre ali.
Na humilde fachada, uma pequena placa com os dizeres “Eletrônica – conserta-se rádio e TV – Preto e branco e a cores”. Atrás do abarrotado balcão, podia-se notar a figura de um senhor, sempre com a vista voltada para seus transistores, soldas, válvulas e outras peças daquele mundo que eficientemente ele dominava.
Ao fundo, uma prateleira – também abarrotada – de rádios de mesa. À distância, pela janela do carro eu podia eu notar ali rádios novos e antigos. Via alguns Semp 700, ABC a Voz de Ouro, e outros sem marca. Sabidamente, aqueles rádios deveriam ter donos, mas que nunca voltavam pra buscá-los. Nem assim o dono daquela eletrônica se desfazia deles, parecendo esperar calma e pacientemente que um dia o proprietário viesse retirá-lo.
Quando comecei a passar ali, aquele senhor tinha cabelos pretos ainda. Como o tempo é implacável, percebi seus cabelos aos poucos ganhando tons cinza e finalmente, brancos. Mas o seu jeito, não obstante o tempo que passava, era sempre o mesmo. Jeito de uma pessoa prestativa, sempre alegre e de uma honradez a toda prova.
Ultimamente, com o trânsito mais complicado, engarrafado e lento, me fez olhar mais detidamente para aquela pequena eletrônica. Pouco, ou quase nada mudou desde que comecei a observá-la.
Ao ver aqueles aparelhos, viajava no tempo. Fizeram Lembrar-me da minha primeira TV, ganhada de presente depois que casei - uma velha e usada Philips, que conforme estivesse o clima, demorava um pouco mais a funcionar. Sem contar as inúmeras vezes que visitava uma eletrônica parecida com aquela da Vila Nova, sempre para trocar uma peça chamada flyback. Assim ela voltava a funcionar por mais algum tempo.
Lembrava ainda a vitrola sonata – ou radiola, que minha mãe gostava de rodar seus discos, LP’s de Sergio Reis, Orquestra Tabajara, passando inevitavelmente por Roberto Carlos. Além dos LP’s, havia uma coleção de Compactos, pequenos discos de vinil, com duas musicas, - os simples, ou com quatro musicas - os duplos.
A vida, como as águas de um rio, foi seguindo em frente. Meses, anos se passaram. Ficaram cada vez mais raras as minhas idas cada por aquele lugar.
Semana passada eu precisei passar novamente pelo local. Ao chegar à pequena rua fiquei surpreso ao ver a eletrônica fechada. Aproximando-me mais, vi colado à porta um cartaz escrito à mão, com uma simples e única palavra: Luto.
Senti um aperto no coração. E certo sentimento de culpa, por não ter conhecido melhor aquele senhor, que tinha semblante alegre e de paz. Pensei comigo: quantas vezes ele trouxe alegria e felicidade às pessoas, ao deixar novinhos e funcionando, rádios, televisores, aparelhos de som, radiolas, sem contar seu jeito altivo e generoso com os que o cercavam.
As hoje movimentadas ruas e avenidas da Vila Nova não serão mais iguais. A eletrônica agora está fechada. Fica o exemplo bom e a lembrança de um cidadão que, durante tantos anos, ali se estabeleceu, trabalhou e manteve sua família, com muita dignidade e honradez.
uma boa homenagem a um ilustre desconhecido. Espero que os parentes tenham lido essa crônica muito bem elaborada, em que relembramos um passado não muito distante.
ResponderExcluir