terça-feira, 11 de outubro de 2011

ROÇA DE TOCOS - A GRANDE QUEIMADA

O menino Toninho contemplou a imensa planície com nítidos tons de cinza e negro, onde pairava ainda alguma fumaça, resquício do fogo que ainda teimava em permanecer meio escondido nos tocos e restos de árvores. Vez por outra, via o vento jogar pra cima pequenas nuvens da cinza que cobria o chão.
Havia pouco tempo que seu pai, juntamente com outros homens fizera a grande derrubada daquele talhão de chão onde havia uma densa mata virgem.
Foram muitos dias de trabalho árduo e intenso. O bater ritmado dos machados e o farfalhar das foices nos arbustos mais leves traziam melancólica sinfonia ante o olhar surpreso das assustadas aves e pequenos animais, habitantes daquele lugar.
O menino Toninho acompanhou todo o trabalho ao lado do pai auxiliando a ele e aos trabalhadores com pequenos serviços, como levar água de beber até onde eles trabalhavam – sempre a uma distancia segura, levando alimentação e principalmente a pedra de afiar as ferramentas. Gritos de aviso precediam a queda de cada grande arvore que tombava.
Aos poucos o local foi clareando. As imensas e centenárias arvores, as maiores do lugar seu pai propositadamente deixara ficar, não derrubara. O fogo da queimada que estava por vir não as afetaria, tampouco afetaria aos habitantes de seus galhos, onde elas generosamente permitiam que construíssem seus ninhos, suas moradias.
O verde intenso do local aos poucos deu lugar a um tom cinza-esverdeado, que logo ficou quase branco, com o secar das folhas dos arbustos e das arvores tombadas.
Chegou a hora da grande queimada. Uma grande e movimentada operação comandada por seu pai e ajudado pelos vizinhos, que davam sua grandiosa parcela de colaboração. Inicialmente em um mutirão, fazendo os aceiros ao pé das cercas, evitando assim que o fogo saltasse para fora do local planejado.
No dia previsto, sob um sol forte e brilhante, os homens se reuniram logo pela manhã no terreiro da humilde sede da fazenda onde tomaram um generoso café da manhã. Antes de sair rezaram. Invocavam a Proteção Divina para que tudo corresse bem, sem acidentes. Partiram alegre e ruidosamente para o local da futura roça, depois de acertarem bem como seria o trabalho de cada um, como controlariam o fogo a partir do rumo do vento. Muitos tinham experiência, portanto não haveria tanto perigo.
Aos poucos o barulho das imensas lavaredas e o estalar das tabocas indicava que o trabalho estava sendo feito. Dessa vez o menino Toninho não acompanhara seu pai, pois era muito pequeno e o trabalho muito perigoso. Ficara em casa, vendo sua mãe rezar aos pés do pequeno oratório. Enquanto isso animais de diversos tamanhos e espécies fugiam da tormenta em busca de refugio seguro. Certamente, pensou o menino Toninho, alguns não conseguiriam. Mas era assim mesmo, sua família precisava do alimento que aquele lugar produziria.
A queimada era um espetáculo impressionante. A fumaça atingia altura incomensurável. Depois de algumas horas os homens estavam de volta. Fatigados se reuniram no terreiro e descansavam do árduo trabalho. Agora era somente o fogo fechar o circulo e mais algum tempo fazer a limpa dos tocos, retirando ao máximo o que pudessem  e amontoando-os em coivaras. Era aguardar que viessem as chuvas. A natureza generosa logo faria sua parte.
O menino Toninho abriu um sorriso tímido. Sabia que teria muito trabalho dali pra frente, juntamente com seu pai. Mas a grande recompensa seria a colheita abundante, a tulha cheia, o alimento garantido para a família e os animais da fazenda.
Que viesse o trabalho. Com o coração aberto daria sua parcela de colaboração. À noite, no aconchego de sua cama o menino Toninho sonhou. Sonhou com a imensa plantação verde e viçosa que estava por vir.

Um comentário:

  1. São cada vez mais raros os escritores que retratam bem a vida rural. Gostei do texto e da história. Não gosto das queimadas, embora saiba que tem algumas utilidades, como essa nas terras do Toninho. É que a gente vê tanta coisa ruim acontecer por causa delas... precisa mesmo haver gente que saiba utilizar a técnica com respeito ao ambiente e à vida.
    Um abraço pra você!

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