sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ANO BOM, DE FARTURA

               Notei meu pai um tanto quanto inquieto aqueles dias. O tempo parecia fazer diferença para ele. Todos os dias ao fim da tarde ficava a mirar o horizonte,, verificando a barra do nascente,  procurando sinais de chuva.
                Antes disso, intensificara o trabalho no local escolhido para plantar a roça naquele ano. Era um lugar onde já plantara roça, mas que deixara descansar a terra para que se tornasse fértil e produtiva novamente.
                Juntamente com meu Tio Marcelino, armado com foices e enxadas limparam o terreno, cortando e empilhando os arbustos maiores em coivaras e deram combate às formigas. Depois, quando tudo estava seco, atearam fogo e o terreno ficou limpo, preparado, aguardando apenas a chegada das chuvas.
                No paiol, perto de casa, todos ajudavam a desencaroçar das espigas de milho os grãos maiores, escolhidas para semente. Os menores que sobravam iam para os animais da fazenda. A semente do arroz, previamente escolhida na colheita do ano anterior, fora colocada espalhada em uma lona no terreiro, para secar mais e germinar totalmente.
                Vi passar por uma boa manutenção as duas matracas, que eram usadas para o plantio do arroz. Interessante aquela máquina manual, talvez o que houvesse de mais moderno na fazenda, que produzia um barulho engraçado e forte, ao lançar a semente na terra.
                Ate que um dia, ouvi meu pai dizer: “a chuva está perto. Logo chegará”. Poucos dias percebi o canto das cigarras. Belo, intenso, contínuo.
                Meu pai sempre olhando para o horizonte. Sua experiência o fez afirmar que daquela semana não passaria.
                E a chuva veio em um fim de tarde. Com trovões, ventos fortes e pingos grossos. Como a afirmar sua força e grandeza. Com certo medo, me tranqüilizei ao ficar ao lado do meu pai, deitando em seu colo. Dali, vi minha mãe colocar um Agnus Dei na porta da frente da casa e diante do pequeno oratório, invocar proteção Divina, em oração.
                Dia seguinte acompanhei meu pai ao local onde plantaria a roça. Mais duas chuvas como essa e lançaria a semente na terra.
                Na volta, descansando perto do pequeno córrego e sob uma imensa mangueira carregada de frutos, com galhos baixos e vergados pelo peso, saboreamos um delicioso lanche, de mangas maduras e doces.  Meu pai ainda disse que teríamos um ano bom, de muita fartura. As chuvas vieram na hora certa.
                Passados alguns dias vieram os amigos da vizinhança. Maioria compadres, que dariam a ajuda e fariam um mutirão para plantar mais rápido e de forma uniforme a roça. Foi também uma grande festa.
                Ao fim do plantio, hora de pedir ao Pai do Céu que concedesse a graça de um bom ano, com fartura e bom rendimento.
                Era aguardar. Mais algum tempo e a mãe natureza se encarregaria de fazer sua parte. Mais duas ou três limpas e no momento certo fazer a colheita. E encher a tulha do velho paiol, garantindo assim alimento para todos da fazenda em mais um ano.
                Era assim a vida na Fazenda Nova América. Era assim que meus pais garantiam a subsistência da fazenda. Tempos difíceis, de trabalho árduo, às vezes, sob sol inclemente ou chuva constante - que meu pai afirmava ser abençoada.
                A Fazenda Nova America hoje é apenas lembrança e saudade nos recônditos do meu coração. Mas nunca esquecerei a figura singela de meu pai, a olhar no horizonte em busca de saber se a chuva estava ou não por chegar. Momentos de simplicidade e imensa sabedoria daquele homem, que com seu trabalho e dignidade trazia segurança e o necessário à subsistência da família.

2 comentários:

  1. É, o conhecimento empírico as vezes nos surpreende e nos mostra a sabedoria de muitos de nossos antepassado. Parabéns!

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  2. Meu caro Escritor Goiano,
    'Ano bom, de fartura', é uma deliciosa sobremesa que tive a grata satisfação de degustar após o almoço.
    Sua crônica, suas palavras e o sentimento interiorano tão bem impregnado nela, nos lança, com maestria, no maravilhoso mundo rural do nosso acolhedor Goiás!
    Parabéns!
    Reinaldo Bueno

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