Um dia desses, já primavera, passei pela Avenida Tocantins, no Centro de Goiânia. Senti um aperto no peito - depois de tanto tempo, estava novamente ali. Ao cruzar a Rua Três, subindo em direção à Praça Cívica (ou Praça Pedro Ludovico, como queiram), revivi a década de 1980, os meus primeiros tempos de morador desta metrópole.
A Tocantins me acolheu. Em seu asfalto, no primeiro emprego, dei meus primeiros passos. Ficava exatamente ali, no numero 310. Recém chegado de uma cidade do interior, eu havia deixado para trás tudo o que tinha de mais importante - amigos, escola, familiares. Encontrei ali esperança, novos caminhos e oportunidades para a busca de um futuro e uma vida melhor.
No número 310 da Avenida, trabalhava como office-boy. Entregava passagens aéreas nas empresas, fazia cobranças, ia ao banco e ajudava nos trabalhos na tesouraria. Utilizava uma bicicleta, que foi minha grande companheira nesse período. Essa bicicleta também ficava comigo nos finais de semana e me proporcionava liberdade de ir e vir, gastando naqueles tempos de dinheiro curto e escasso apenas energia e vitalidade.
Eu tinha já dezesseis anos. Diariamente ia às agências da Vasp, naquele tempo uma representação, administrada pela simpática dona Cilene Andrade, de quem ouvi bons conselhos – e seu filho Zezo - situada na Rua Três e também na Varig, que ficava na Rua Dois, na esquina com a Avenida Goiás. Nesses dois lugares as réplicas dos aviões e os grandes painéis retratando lugares turísticos de todo o mundo me faziam viajar, sonhar. E enquanto aguardava que as atendentes – por sinal, muito elegantes - fizessem os procedimentos necessários, encontrava sempre uma palavra amiga, um bom dia do sempre simpático Sr. Duarte, gerente da empresa. Apesar de seu cargo importante era despido de vaidades, algo muito comum nesse meio.
Voltando à Tocantins, de longe já enxergava e me encantava com a beleza de um imenso Flamboyant, que com seus galhos imensos atravessava a avenida de um lado a outro. Conradianamente* me enternecia ao observar suas flores vermelhas, cheias de abelhas com seus zunidos e seu ir e vir, alimentando-se com o néctar e transportando o pólen, fecundando-as para que viessem a ser sementes - a seqüência da vida.
Ali no número 310 eu assumi responsabilidades logo, bem cedo. Trabalhar durante todo o dia e estudar à noite, no colégio Lyceu de Goiânia, não era um fardo, não era uma coisa difícil. Ali eu conheci e enfrentei o mundo com altivez e dignidade. Encontrei muitas barreiras, mas venci a quase todas. Inicio de vida adulta, pronto a assumir tarefas, responsabilidades.
Quanto aos meus sonhos, comecei a realizá-los, formatá-los para a vida. Alguns jamais se realizariam. Mas realizei outros, embora não os tivesse sonhado. Sem perceber construí castelos sólidos que talvez que não esperasse construir.
Avenida Tocantins foi minha grande amiga. Ao passar por lá hoje não posso deixar de notar os velhos flamboyants enegrecidos pela fuligem da fumaça dos coletivos e mutilados pelos motosserras – afinal, eles precisam dar lugar à fiação elétrica, aos cabos telefônicos e das TV’s por assinatura. Mas estão lá. A primavera trouxe as flores teimosas. Insistem em aparecer e cumprir a função que a mãe natureza lhes deu. As raízes sobressaem-se das calçadas e parecem demarcar território, como a mandar um recado: resistimos, continuamos aqui.
A Tocantins continua lá. Diante de tantos veículos que passam por ali, parece não ter mais espaço. Mas continua lá. E, mais ainda, estará sempre na minha lembrança, no meu coração. Afinal, ela me acolheu e me propiciou dar os primeiros passos nesta Goiânia, que tanto amo.
· Conradianamente: alusão ao cronista e poeta das coisas simples e belas, JEAN PIERRE CONRAD.
Êhhh Goiânia dos velhos tempos. É um tempinho que não volta mais. Gostei de reviver um passado tão belo.
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