quinta-feira, 10 de novembro de 2011

SÁBADO DE SOL, XADREZ, ESCOLA... E UM MENINO SONHADOR


- Vamos jogar, Tio?
Aquela pergunta pegou-me de surpresa, absorto que estava, com o pensamento bem longe daquele lugar. Olhei para o garoto que me inquiria. De tez morena, com o olhar muito vivo e de uma expressão alegre no rosto, trazia nas mãos um pequeno tabuleiro de xadrez. Demorei a responder e ele, novamente, com certo ar de decepção, indagou novamente:
- Ah, o Tio não sabe jogar xadrez?
Pedi-lhe que me desculpasse, pois estava distraído, e querendo justificar alguma coisa, disse que talvez nem lembrasse mais como se joga xadrez, pois, verdadeiramente, só havia tido contato com aquelas pedrinhas estranhas, aí por volta dos meus dez anos, coincidentemente a mesma idade do menino ali à minha frente.
- Pode deixar que eu ensino ao Tio.
Agradeci, e sentamo-nos frente a frente, ele com um ar danado de satisfação, talvez por encontrar um adversário mais velho que ele, onde poderia mostrar seus conhecimentos do assunto, e assim, fomos iniciando a colocação das pedras no tabuleiro em suas devidas posições.
Não pude deixar de notar sua indumentária simples, limpinha, bem humilde. Uma camiseta com propaganda de um supermercado qualquer, uma bermudinha surrada e nos pés, um tênis com cara de apertado e que certamente já andou por muitos lugares com seu dono.
Ao iniciarmos o movimento do jogo, com a visão daquele menino, pus-me a lembrar de tantas histórias de homens que, um dia na vida, foram como ele. Que, se hoje, as pessoas ao vê-los profissionais bem sucedidos em suas áreas, sequer imaginam que um dia também foram crianças de pais pobres, cheio de incertezas da vida, mas cheios de sonhos, e se estava ali em um dia de sábado na escola, não era por um motivo qualquer, mas pela vontade de ser alguém na vida. Afinal, poderia estar em seu bairro, soltando pipa, jogando futebol, brincando de carrinho, ou, mal das crianças de hoje, defronte a um aparelho de TV. Mas não, orgulhosamente, estava ele ali, na sua escola, desafiando pessoas para uma partida de xadrez.
Prestando pouca atenção no jogo e mais no menino, fiz algumas perguntas e ele, com naturalidade foi respondendo, sem deixar de dar a devida atenção ao tabuleiro. Assim, fiquei sabendo que ele mora em um bairro da periferia, no município de Aparecida de Goiânia, que o pai foi assassinado (matado, segundo suas palavras) em uma briga de bar e a mãe, que trabalha como diarista não tem muito tempo para ele e seus outros cinco irmãos. Disse ainda que tem um avô doente, que fica deitado em uma cama, mas, mesmo assim, tenta, como pode, cuidar para que seus irmãos não aprontem muito. Disse ainda que gosta muito de estudar, da sua professora e de sua escola. E, que um dia, quer ser “dotô adevogado”. Para tirar os pobres da cadeia.
Viajei novamente com suas palavras, pois, um momento em que um ministro da mais alta corte do País livra da cadeia um político nacional e mundialmente conhecido por suas falcatruas e roubalheiras contra o patrimônio público, justificando no seu voto “que dava a ele liberdade por pena e dó, sensibilizado por vê-lo na cadeia ao lado do filho” e um menino como aquele, sonhando com um futuro melhor, ainda acreditava na vida.
- Xeque-mate.
Sua voz trouxe-me à realidade, e vi-me perdido naquela partida. Intimamente, porém, senti-me tomado por imensa alegria, ao ver naquele menino, uma pessoa, como tantos brasileiros, que lutam por um lugar ao sol, que quer realizar seus sonhos, ainda que a vida os torne distantes. Precisei ir embora, não sem antes dizer para que ele continuasse assim, lutador e que acreditasse muito em seus sonhos. Em pensamento roguei ao Senhor que o afastasse de tanta coisa ruim que existe hoje contra nossas crianças, como drogas, más-companhias, etc.
Tive que prometer que voltaria no próximo sábado. E que iria treinar durante a semana, para melhorar o meu jogo e poder enfrentá-lo de igual para igual.
- E não esqueça Tio, xadrez “é bom pra cachola, pra ficar mais inteligente”.
Saí dali com o coração pequeno, mas feliz da vida. Pena que nossos governantes - seja em que época for - nunca pensarão no país, mas somente em roubar para encher seus bolsos e de seus apaniguados. Como seria bom ver nosso Brasil um País bem governado, para que crianças como aquela pudessem ter a certeza de ser alguém na vida.

Um comentário:

  1. É. Achar um garoto desse tipo assim é coisa rara. A vida é muita amarga, conforme disse, com tanta corrupção, tantas desavenças, que fica difícil para qualquer um encontrar um tipo de alegria nela. O bom Paulo, é encontrar companhias tão boas quanto a sua na sua crônica. Serve de exemplo, assim como aquele engraxate, que sempre vestia com terno para atender os seus clientes. Quem reconhecia seu trabalho, não era somente ele, mas também os fregueses.
    Bons exemplos assim é que NOS trazem a alegria de viver também.

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